O 5º Gato

E foi navegando na internet que um dia encontrei um rapaz bacana de 19 anos, que numa conversa divertida me disse estar escrevendo livro sobre esses universos do chat na net e eu sinceramente achei que era uma desculpa fajuta de alguém que queria me dizer nas entrelinhas não pertencer aquele meio. 

Só sei que em nossa conversa disse que já escrevia um livro e que eu vim  pra quebrar sua lógica pré-estabelecida de que só havia gente bizarra naquele espaço. Com o passar do tempo fomos mantendo contato e ganhando uma relação de amizade bacana. Ele me confessou ter a necessidade de adicionar algumas poucas páginas a mais no livro para de alguma forma encaixar a possibilidade de se encontrar alguém como eu. Dizia ainda que usou frases que eu disse durante nossa primeira conversa e entre risos e brincadeiras pedia para que eu não processasse por plagio. Me senti lisonjeado, mas ainda estranhando muito isso tudo.

Até que um belo dia recebo o convite para o lançamento do livro numa livraria na cidade ao lado, dizendo inclusive que eu estava nos agradecimentos. Prontamente me dispus a ir prestigiar o trabalho, ele insistia em me dar uma cópia e eu dizia da questão que faço de pagar por ela, entendo aquele valor como reconhecimento justo do seu trabalho e das horas de lazer que certamente me proporcionaria.

E foi num sábado bonito que parti junto com o Calopsita para o lançamento de Ghattu. Fui recebido amavelmente pelo autor, comprei meu exemplar e passei a tarde lá batendo papo com ele, uma amiga e algumas pessoas da sua família. Durante a conversa a amiga me contou que o livro tinha 400 páginas e metade precisou ser cortada em função da editora. Pensei que muito possivelmente o "meu personagem" havia sido cortado, afinal metade do livro foi e se tratava de um personagem pequeno.

Num dado momento, meio que do nada ele disse que algumas das pessoas que agradeceu  se quer mantinha contato e eu entendi que de alguma forma, por algum motivo, havia uma necessidade meio que inconsciente de me descredenciar.. E foi naquele momento que tive a certeza que o personagem havia sido cortado na edição sim, talvez ele só estivesse sem graça de falar, daí arrumou um jeito de dizer que estar no agradecimento não significa tanta coisa assim.

Antes de ir embora , já do lado de fora da livraria me disse: Vamos ver se vc vai se achar, mas duvido que não...

Voltei pra casa e numa semana mega tumultuada mergulhei em Ghattu ,comecei a ler sobre a vida de Joanne, a menina de 18 anos que tem uma relação tumultuada com a mãe e a madrasta (sim, lésbicas) e resolve tentar se descobrir através de experiências sexuais vazias em salas de bate papo. Mesclado aos encontros com os caras vinha a relação de Joanne com seus gatos que acabam sendo uma representação de como a jovem se relaciona com mundo e as pessoas. Cada um dos gatos que foi tendo representavam uma fase de sua vida e acabavam por ser tornar uma metáfora dos sentimentos de Joanne.

Literatura gostosa e desamarrada a trama se da de forma veloz, os acontecimentos vão se desencadeando sem nenhuma enrolação. A medida que fui lendo o livro fui tendo vários sentimentos pela personagem principal, da irritação a admiração... E quase chegando ao último capítulo comecei a concluir que se tratava de uma pegadinha do autor, que eu não estava no livro.. Foi quando aos 45 do segundo tempo... Ele aparece.

Olha senhores é indescritível... Pq, vejam bem, eu sou um grande defensor desse espaço chamado internet , das relações que amadurecem através dele ou das que surgem fora e se mantém muito em função dele. Acredito que a grande maioria das opiniões acerca desse lugar são sempre carregada de muito preconceito. Daí eu leio um livro onde a personagem principal o tempo inteiro se frustra por escolher a pior maneira e forma de tentar encontrar um caminho... E se tem uma coisa que sei fazer bem é ser expectador.. por que eu vivo as coisas.. Eu aponto o dedo pra televisão e grito no barraco do reality show, e discuto tema com as meninas do saia justa, eu diversas vezes no meio do livro solto um "não acredito que essa garota fez isso"... Vivo a trama junto com o personagem e em Ghattu tudo que eu queria era chegar pra Joanne e dizer: "Querida, pode ser diferente disso"... E cara... Eu fiz!!!! 

O personagem aparece de uma forma tão bonita, tão generosa, que não tem como eu realmente não me emocionar, sabe???  Por que essa é a minha mensagem pro mundo... Esse é meu carnaval.. Pode ser diferente sim, só depende da gente ter boa vontade pra isso. A vida inteira as pessoas que me conheciam pelo chat me faziam mega elogios pelo simples fato deu agir com cortesia, de ouvi-las, de olhar pra elas.

Tem mais ou menos 10 anos que passei a ter um PC com internet em casa.. Gato de Cheshire foi um dos meus primeiros apelidos. Quando fiz esse blog escolhi ele, pelo meu desejo de trazer as pessoas a reflexão sem estar em cima, sem superior. O Gato diz para Alice que ele é louco, assim como ela, por que todos são loucos naquele mundo estranho... Ele se iguala no mesmo instante em que tenta faze-la refletir acerca do lugar que ocupa. Brinco chamando meus amigos e amigas que julgo inocente em alguma circunstancia de Alice, dizendo para que Alice acorde... E ai o cara sem saber disso desfecha um livro com um diálogo que teve comigo, que faz com que a personagem principal (que tem tudo de Alice) reflita  sua condição... Uma personagem que durante todo o livro ilustra sua relação com o mundo através da sua relação com os seus gatos... E ai um personagem, inspirado em mim, que sem ele saber uso o pseudônimo de gato passa a mensagem que levo a vida tentando passar.

Sinceramente é muito pra esse coração lambão meu... Fico imensamente grato pelo carinho e reconhecimento do amigo, foi muito bacana ser parte do Ghattu.