27.10.24

A Eternidade com Cher


É possível que vc já tenha visto esse meme ou similares, colocando Cher nesse lugar da eterna juventude e não é pra menos, a diva parece que tomou a substância. Acho que a favor dela tem um desenho de rosto com muita singularidade e que parece que virou o desenho de todos os cirurgiões plásticos do mundo.  A maçã o rosto destacada, a bochecha bem afinalada, um queixo meio pontudo... Ela criou um molde pra cirurgiões, harmonizadores, maquiadores e todos que desenham rostos mundo a fora. Se vc olha uma imagem da Cher na década de 70 vai perceber que essa agora é só uma manutenção do que sempre esteve aí, no rosto dela.

Tem um vídeo que sempre me pega muito que é da apresentação de Cher com os Jackson Five em 1975. Michael morreu com 50 anos em 2009, ele hj teria 65. Cher na apresentação já era mulher feita e ele ainda era criança.



Outro bom exemplo foi o icônico look que ela usou no clipe de If i cold to turn a back time em 1989, marcando toda a turnê na ocasião e virando marca registrada da cantora. 



Em 2010 ela premia Lady Gaga no VMA com a mesma skill de 21 anos antes



Na última semana ela reaparece na apresentação de retorno da Victoria Secret  cantando aos 78 anos e sua eterna juventude torna-se assunto novamente.



Todavia o que me motivou a escrever esse post foi um encontro entre Cher e Demi Moore num evento da Dolce & Cabana na Itália que fez com que as pessoas comparassem com a foto da última aparição das duas juntas em 1996, quase 30 anos antes.


Demi permanece linda, mas claramente a beleza da juventude deu espaço pra uma beleza mais madura, Cher congelou numa eterna cara de 38 anos, é igual, parece que o tempo não passou.

Reza a lenda que ela foi precursora do autotune do mundo e que uma das primeiras músicas do  mainstreaming reconhecida como se utilizando do recurso foi believe, um dos maiores sucessos da carreira da cantora que na ocasião representava o retorno de um hiato, já que desde  If i cold to turn a back time ela não emplacava mais hits . A voz  com ar de robotização casava com uma Cher  que soava plastificada, há quem diga até que na época havia quem apostasse que o recurso da voz tinha qualquer ligação com cirurgia plástica, isso tudo em meio a virada para década de 2000. É difícil afirmar o que vou dizer aqui categoricamente, mas eu poderia apontar que talvez aquele tenha sido o momento que Cher aos 52 anos começa a inserir no imaginário do público a imagem de eterna juventude, que virou talvez a principal característica vinculada a sua pessoa pública hj. Em 2024 Cher talvez seja mais reconhecida por sua inesgotável juventude do que por ser cantora.

Eu poderia fazer mais 10 parágrafos nesse post problematizando o quanto se projetar no imaginário das pessoas com uma juventude eterna é problemático e também poderia trazer  diversos contrapontos sobre o lugar do artista e a licença poética que ele tem de se manter eternizado, mas não quero levar o debate praí, em qualquer momento posso fazer críticas contundentes contra essa indústria, mas hoje quero só manter o quentinho no coração de olhar pra determinadas pessoas públicas e sentir como se a vida tivesse congelado junto com ela, em qualquer lugar dentro de mim, assistir Cher no palco do Victoria Secret conversou com o Gato de 14 anos em 1998, na casa da minha amiga Lívia Cecília falando "caraca que foda essa mulher" e isso é um quentinho no meu coração. 







 

20.10.24

Irmãos Menendez, um soco na boca do estômago!

 


Monstros é ao nome da série da netflix que tem a intensão de contar a história de grandes criminosos que mobilizaram a mídia americana com seus crimes bizarros. Ano passado eles estrearam com "Dahmer: Um Canibal Americano". A temporada contava a história do serial killer Jeffrey Dahmer que matou e comeu parte de várias de suas vítimas durante anos. A série foi um sucesso de crítica e público e eu nem sei ao certo se havia intenção de fazer daquilo uma franquia ou se resolveram fazer a partir desse sucesso. Todos nós sabemos que isso é sempre um risco e que quando uma obra é um mega sucesso a sua continuação vem cheia de expectativas que raramente conseguem ser alcançadas (tá aí Coringa que não me deixa mentir), todavia com os Irmãos Menendez eles conseguiram.

Dividida em nove episódios a série conta a história de Erik e Lyle Menendez dois garotos de 18 e 21 anos que assassinaram seus pais. A série começa a partir do crime, mas toda trama em torno do julgamento e desdobramentos do caso vai contando tanto sobre acontecimentos anteriores e posteriores como também mostra outras versões, mas é importante destacar  que toda construção do roteiro é feito pela ótica da defesa, as outras óticas que aparecem são apresentadas sempre por antagonistas. Tanto que no fim qualquer um que assista está solidário aos assassinos, isso é tão claro que, apesar do Erik ter feito uma carta púbica mostrando seu descontentamento com a narrativa, a forma que a opinião pública se colocou a favor deles hoje é um dos pontos que a família está considerando favorável pra tentar tira-los da cadeia na atual apelação. 

Eu confesso que assisti os primeiros episódios achando meio "meh", basicamente por que achei que a franquia monstros contaria a história de assassinos em série, logo ter ocorrido um único assassinato no primeiro episódio me dava um sentimento de que tudo estava meio morno, mas se o foco em Dhamer era a quantidade de crimes absurdos e bizarros que ele cometia e não era pego, aqui o foco tá no julgamento dos irmãos e a forma que aa opinião pública foi se fazendo e se refazendo a medida que o tempo passava e novos eventos apareciam. A virada, pra mim, foi quando no terceiro episódio surge a advogada Leslie Abramson, figura polêmica que vai conduzir muito da forma que a história vai ser contada. Dali pra frente eu comecei a entender que a franquia era sobre true crime, mas não necessariamente assassinos em série.

As atuações são excelentes, desde o veterano Javier Barden até outras figuras não tão conhecidas do grande público, mas todas entregaram muito e o roteiro realmente tá um primor. Não é fácil contar uma história policial cheia de versões, não é a toa que a tentativa brasileira de contar a história de Suzane Von Richthofen se converteu em dois filmes narrando os fatos nas versões dela e dos irmãos Cravinhos. Isso é ainda mais complicado quando as partes envolvidas nas história estão vivas e ter suas história reviradas muitas vezes causa desconfortos e desdobramentos, mas Ryan Murphy foi cirúrgico e muito eficiente.

Se há algum dúvida sobre a grandiosidade da série ela cai por terra no quinto episódio. Ele acontece em uma única cena de 36 minutos, onde Erik conta em detalhes para a advogada os abusos que sofria por parte dos pais. A cena começa com ela de costa e ele sentado de frente pra ela, permanece assim até o final, mudando apenas o foco da câmera que lentamente vai fechando a medida que ele vai contando de forma emocionante violência terríveis em plano sequência. Uma cena forte, impactante e que contava apenas com um bom jogo de câmera, um roteiro bem escrito e uma atuação grandiosa. É daquele tipo de cena que merece ser estudada em cursos de cinema e afins. 

Ouvi uma crítica dizendo que Dhamer era uma história mais pesada e eu até concordo, mas honestamente acho que em termo de obra Menendez é bem mais, basicamente por que acho que de alguma forma a pegada gore do Dhamer é algo que a gente enquanto público já viu várias vezes, poderia fazer uma lista grande de filmes com cenas tão violentas quantas, mas pouquíssimas obras da dramaturgia que conta de uma forma tão honesta e sensível um relato de violência como esse. Uma ousadia uma cena dessa sem corte, uma coragem de quem sabia o roteiro e os artistas que tinha na mão, eu fiquei congelado, sem conseguir pegar o celular pra olhar a hora, durante toda a cena. Quando o episódio acabou tomei um suto, por que não acreditei que fiquei fixado ali o tempo inteiro, num mundo em que quase nada prende tanto a atenção do expectador por tanto tempo. 

Irmão Menendez reforça minha tese de que os maiores ativos de uma obra audiovisual é roteiro e atuação o resto é penduricario pra melhorar a forma que isso é contado, é claro que você pode matar uma cena  dependendo de como ela é contada, mas tentar pegar uma obra oca e segurar ela só com efeitos especiais e explosões você nunca vai fazer nada com consistência. Irmão Menendez tem direção de arte, tem roteiro, tem atuação, tem absolutamente tudo e não vai me espantar se vermos ela concorrendo em diversos circuitos de premiação. 




14.10.24

O tal do tempo


Todas as vez que tento retornar pra esse blog retorno com um post de voltei e no fim nunca seguro. Dessa vez resolvi fazer diferente, ninguém tá lendo mesmo, que se foda, um belo dia resolvi escrever e o fiz. Já disse aqui algumas vezes que amo reler coisas que escrevia e pensava há anos atrás então quero gerar registros pro Gato do futuro, isso é um carinho nele que certamente se reler aos 50 vai dar uma ronronada.

Daí voltei e escrevi sobre várias coisas que queria falar, acho que post anterior é o último nesse sentido, que de alguma forma me atualiza pro público (oi?), agora é escrever sobre coisas que estão acontecendo mesmo, sobre o hoje, o agora.

Eu quero muito manter esse blog, mas confesso que o tempo é um desafio, ok que o período que fiz esse blog era outro momento, eu se quer trabalhava, mas mantive um bom ritmo até 2013, quando eu já trabalhava bastante, só que agora parece que nunca sobra uma hora livre pra fazer um post vez ou outra. Aliás nunca sobra uma hora livre pra anda... Eu preciso trabalhar, estudar pro mestrado, cuidar da casa, sair com o marido, encontrar algum boy, estar com os amigos, fazer atividades físicas, passear com o cachorro, ver as crianças... Parece que tempo nenhum nunca é suficiente. Eu tô com 40 anos, em 2009 tinha 25, a relação com o tempo é outra! Já estou nos segundo tempo a vida, a ampulheta já virou!  Lembro que quando eu era adolescente assistia diariamente malhação, a novela das 06, das 07 e das 08 e fora outros programas. As novelas são historias continuadas que duram oito meses em episódios de segunda a sábado durando em torno de uma hora e meia, hoje se uma série tem 10 episódios de uma hora e tá na segunda temporada eu já não pego, por mais recomendada que ela me seja. 

Mas não tô desistindo e nem dizendo que não vou mais escrever, não quero parar, nem e longe quero parar, mas talvez só precise pensar sobre como consigo encontrar tempo pra mim e quando digo "pra mim" não é pro meu enriquecimento cultural, educacional, social, não é nada disso... É pro meu silêncio, é de mim pra mim mesmo, é pra minha subjetividade. Dia desses vi um vídeo da maravilhosa Rita Von Hunty em que ela fazia uma provocação perguntando onde anda a nossa criança interior, sobre em qual momento da vida deixamos de desenhar , ou cantar, ou brincar ou fazer qualquer coisa que te fazia criativo, curioso, inventivo... Fiquei pensando sobre o quanto eu era um garoto divertido, engraçado e leve e o quanto talvez a correria da vida tenha feito eu me desconectar disso.

Sinto que o que preciso pra me resgatar é só olhar pra mim mesmo e ter tempo pra desabrochar uma coisa ou outra. É sobre um tempo que quero ter pra me olhar e esse olhar esse blog me entrega como nada mais. O tempo é outro e eu preciso dar um jeito de montar nesse touro mecânico e me manter em pé, pra não me perder de mim. 

Em geral tenho escrito nos domingos e aí coloco vários posts programados, mas quero tentar voltar a fazer como antes, quando tudo que acontecia eu queria despejar aqui e  dava um jeito de fazer isso, mesmo que precisasse acordar mais cedo, ou dormir mais tarde, ou dar uma morcegada no trabalho, mas vinha aqui por pra fora de forma muito espontânea, cheio de vontade, cheio de mim mesmo. Esse é o plano, vamos ver até onde vou chegar. 

13.10.24

Até que a morte nos separe



A vida inteira eu falei que não existe casamento pra sempre, que casamento se não acabava em briga acabava em morte, pq ninguém morria junto é preciso entender o movimento de finitude de todas as coisas, pq sim, tudo acaba ou como diria Rita Lee, tudo vira bosta.

Só que a vida gosta de pregar umas peças na gente, né? Em 2019 meus avós morreram, os dois! Foi um golpe pesado pra ser dado de uma vez só, mas hoje avalio que viver a pandemia com eles seria um tiro complicado numa família que já via se rachando em torno dos cuidados de dois idosos, precisava ser naquele momento e um viver sem o outro seria um grande problema.

Minha avó morreu um ano após o diagnóstico de Alzheimer, eu tinha pavor da ideia dela não me reconhecer, certa vez cheguei lá e ela ficou me olhando com uma cara surpresa, perguntando era quem, fiquei congelado, ela colocou os óculos e me chamou pelo nome, devo ter perdido uns 4kgs.

Eu nunca achei bonita essa história de gente que o marido morreu e morreu três meses depois de tristeza, sabe? Acho que é um pouco de romantizar dependência, a vida é imperiosa, ela lança as coisas no peito e a gente precisa aprender a lidar... Mas com eles... Bem... com eles foi diferente.

Minha avó estava internada quando meu avô foi pro hospital, ela tava em coma e nós não contamos pra ele. Os dois estavam no mesmo hospital, ela na UTI  ele na enfermaria, mas nessas grandes piadas da vida ele se foi primeiro. Eu morava em outra cidade, recebi a ligação de manhã, fui correndo pra lá, minha mãe não quis ir, minha tia estava desolada eu e minhas primas agimos tudo, absolutamente tudo, Quem já cuidou da morte de algum ente sabe da crueldade da odienta indústria da morte, são burocracias e gastos que fazem você deixar o luto pra um segundo momento. Naquele dia eu ainda fui no hospital visitar minha avó, o horário de visitas era até as 16:00, cheguei em cima da hora de bermuda, falei pras minhas primas entrarem pq até eu mudar de roupa não daria tempo no outro dia eu voltaria, 10 minutos depois a minha prima voltou pálida e disse que o médico liberou pra que eu a visse mesmo depois do horário, me preparou para o fato dela estar fria e com a ponta dos dedos e lábios roxos. Eu fui com um irmão caçula dela e ouvi ele pedir pra ela ficar boa logo, pra eles se verem, eu sabia pq o médico me deixou entrar naquele dia, eu sabia que ela já não estava mais ali, só consegui dizer que amava e agradecer no seu ouvido, não sei se ouviu, espero realmente que sim.

No final de um dia exaustivo velando o corpo do meu avô o telefone tocou do hospital perguntando se algum parente poderia ir lá, minha tia deu um grito, acabou! Eles não souberam da morte um do outro e morreram de causas naturais exatamente no mesmo dia deixando pra mim a última lição que é a ideia de que para toda regra sempre pode haver uma exceção e uma história de amor pode terminar pros dois juntos... Ao mesmo tempo, é raro mais acontece, eu mesmo vi acontecer. 


12.10.24

Sobre o mundo muito chato


 

Há dois posts atrás eu falei sobre o fato deu estar fazendo uma leitura muito pessimista da realidade nos últimos posts aqui no blog e daí fiz uma postagem falando sobre avanços de setores mais progressistas e de figuras públicas que só poderiam existir, ocupando os papeis que ocupam e com as bandeiras que carregam, nos dias atuais.

Eis que ontem, zapeando no youtube encontrei na integra um episódio inteiro do programa Márcia de 1997. O programa de auditório apresentado pela apresentadora Márcia Goldshmidt entre os anos de 1997 e 1998 no SBT, seguia o estilo Casos de Família, era a época em que os programas popularescos explodiam e dramas da vida comum da população mais vulnerável socialmente eram explorados sem nenhuma cerimônia. Não havia nenhum pudor ou constrangimento em colocar nas câmeras qualquer conteúdo pela audiência. Se hj no Casos de Família quando há uma briga física entre os convidados a imagem corta pra plateia, lá tinha zoom.

O episódio em questão tratava de crianças perseguidas na escola, de cara já chama a atenção que a expressão "bullying" provavelmente não existia, ou pelo menos não era popular, aliás parece que nada existia, não havia conselho tutelar, não havia nenhum debate sobre racismo, homofobia, gordofobia nem bosta nenhuma, só havia a barbárie mesmo, papo de lei da selva. Crianças tratavam de temas ligados a preconceitos graves ouvindo a opinião de idosas da plateia. 

A primeira convidada era uma menina de 11 anos que era chamada de macaco por um coleguinha loiro na escola. Os comentários da plateia eram inacreditáveis, Márcia já falava de racismo, mas em todos os casos segurava muito uma narrativa que esse tipo de situação era parte constituinte da vida escolar, que as vítimas não deveriam se importar tanto assim e que os algozes era mais fortes por resistir melhor a pressões. Neste caso a coisa ainda escalona quando a mãe do menino entra no palco por que era supervisora escolar do colégio. A cereja do bolo é a interpretação feita pela apresentadora que na verdade o menino fazia isso por que gostava da garota, que isso guardava uma feto contido, tese amplamente defendida pela plateia, inclusive pela mãe da menina que estava na ocasião. O rapazinho negava veementemente e dizia que chamava de macaca por que ela era preta mesma, Márcia advogava dizendo que ela era linda e nem tão preta assim.

No segundo caso dois garotos perseguiam um outro afeminado, dizendo que não gostavam do jeito dele e que ele era viado, quando o garoto falou que falavam isso e ele não era a plateia caia na gargalhada. O menino contava ainda que os meninos colavam papel nas costas dele dizendo que ele gostava de dar o c*, e ele n deveria ter nem 14 anos. Quando ele fala que chama a ele de "Vera Verão" (personagem vivido por Jorge Lafont anos na televisão, negro, gay e afeminado), Márcia diz que pelo menos comparavam com um famoso. me lembrei de como sofria com personagens gays na televisão de todas as vezes que eu rezava pedindo a Deus pra que determinadas novelas acabassem logo por que não suportava as brincadeiras que me chamavam pelos nomes daqueles personagens na escola.

No terceiro caso a mãe foi com um menino de 06 anos (pasmem) que gostava muito de comer hambúrguer e batata frita e que por ser gordo os colegas colocavam apelidos como gorducho, elefante sem rabo, baleia fora d'água e baleia assassina. A mãe diz que ele até já queria sair da escola e que um colega já até bateu nele. 

No último caso dois garotos que ficavam perturbando um ao outro e soava meio que ok perto dos casos absurdos, mesmo eles falando de "brincadeira" violentas entre si.

No fim do programa a coordenadora do programa de saúde de adolescente da secretaria da escola foi coroar o festival de horrores. No primeiro caso ela dizia que o menino deve buscar outras formas de expressar seu afeto e que a vítima de racismo tem que aprender que no mundo as mulheres são vítimas de violência e ela precisa aprender a se defender melhor, já o menino  tem que ficar ligado que um dia alguém pode responder com violência. No caso de homofobia ela fala sobre a pluralidade o mundo, mas que a vítima pode ter um jeito que incomoda e que pode deixar ele triste, logo ofereceu tratamento psicológico pra ele e pros meninos, caso eles queiram. No terceiro caso ela começa com "ser gordo não é fácil", aponta que acha errado os apelidos, mas que ele também precisa emagrecer e parar de comer tanto hambúrguer, tanta batata, tanto refrigerante e que a hora boa pra tentar emagrecer é agora.

Gente.. Na boa.. Um festival de horrores... Hor-ro-res... Dia desses a atriz Eliane Giardino reproduzia um discurso que setores mais progressistas da sociedade já vem falando a muito tempo. O mundo não ficou mais chato, ele já era muito chato pra pessoas que se calavam e tratavam com normalidade as opressões que eram submetidas. O programa, além de todo o absurdo e exposição de crianças de todas as formas, trazia uma dinâmica de culpabilização das vítimas, completamente legitimada por uma profissional da área da saúde mental no canal aberto. Todos os episódios de opressão eram tratado como naturais da escola, da vida infantil, do mundo... As crianças eram a todo tempo convidadas a repensarem seu hábitos pra lidar com essa dinâmica por que elas pareciam impassíveis de seremm mudadas, é tudo assim mesmo. 

Quando comecei a escrever esse blog foi um período de virada em que debatíamos muitos na blogosfera sobre o mundo não ter ficado pior quando as pessoas passaram a ter que se preocupar mais com o que falam e sobre como isso chega na outra ponta. De um jeito ou de outro, no final da década de 2000, início da de 10 , era bem comum blogs que eu gostava e de pessoas que traziam debates importantes, terem falas extremamente homofóbicas e eu e mais dois colegas comumente acionávamos uns aos outros pra podermos defender uma ideia sem estar sozinhos, sem sermos atacados por todos com o discurso do mimimi e isso mais de dez anos depois do famigerado programa da Márcia.

Lamento em informar pra quem acha natural os episódios narrados, mas a única coisa mais chata do mundo é a insistência de determinados setores de quererem manterem a realidade como ela era as custas o sofrimento do outro. 

Pra quem tiver interesse, segue o episódio, que vale a pena ser visto e debatido sempre como retrato de um mundo que não queremos mais, a violência ainda existe, mas não ter uma chancela de normalidade por parte da sociedade muda tudo. Não gosto de comparar o ruim com o pior ainda, temos muito a avançar e n estamos nem perto do razoável, mas pra mim que vinha numa onda de postagens tão pessimista foi importante lembrar do mundo tão pior que eu cresci, tudo mudou tanto que a gente até se esquece do tamanho do absurdo que era antes.






11.10.24

Bonequinho de Luxo

 Jão, sem menor sombra de dúvida, poderia entrar pra sessão #TodaBabada deste blog, todavia o look dele em homenagem a icônica Bonequinha de Luxo para participar do badalado halloween sephora eleva o nível pra outro lugar que merece  um destaque.

Tem estilo, tem bom gosto, tem beleza...








Eu devo fazer um adendo aqui e dizer que eu adoro androginia, pra mim, é super atraente essas figuras que trazem elementos femininos e masculinos na sua estética independente de orientação sexual e identidade de gênero. Claro que como tudo na vida, isso pode vir com bom ou com mal gosto, mas neste caso eu acho que o boy foi no alvo e acho que Audrey tbm aprovaria. Não aprovaria, querida?¹


Aham

 

Um respiro com Erika Hilton

Nos últimos posts aqui no blog acho que eu vim com muito pessimismo e não é em vão, pensar o mundo em 2024 é  uma ocasião que merece. 

Dia desses uma amiga disse que sempre que lê autores  indígenas  tem um sentimento de esperança muito positivo e que sentir esperança é  decolonial. Acho que faz muito sentido,  nada mais mantenedor  do que a descrença e a certeza de que nada vai mudar; o capitalismo precisa disso pra se manter. Os povos originários tem clareza que somos apenas parte do mundo e que a natureza é  maior,  ela se refaz,  ela toma de volta pra si o que é  seu. Então no fim acho que acaba a gente,  mas fica o mundo e isso me parece bem otimista até. 

Mas quero ser ainda mais e dizer que se a extrema direita avança a resistência tbm. Se Nicolas Ferreira é uma produção típica dos tempos atuais  Erika Hilton tbm é. Em que outro momento da história  desse país teríamos uma mulher preta, trans e periférica sendo deputada,  jantando esses escrotos diariamente? 

Só nesses tempos um deputado poderia enaltecer um torturador da ditadura que torturou a "ré"  durante um processo de impeachment, fato! Mas tbm é só nesse tempo que um homem preto gay estaria lá pra cuspir na cara dele na mesma ocasião. 


Trump é  o capeta, mas a possibilidade ter uma mulher preta sendo presidente dos EUA é  o céu e eu poderia levar horas comparando Silas Malafaias com Padres  Julios Lancelotes  ou Ricardos Sales  com Marinas Silvas, mas vou ser resumido e apenas reforçar que tbm temos conquistas e avanços... E que se a frase famosa de Che Guevara é que "há de se endurecer sem perder a ternura" a nossa é de resistir sem perder a beleza,  pq sim a crise é  estética. Se imagens como essa são produtos dessa era:

Erika Hilton ganhando prêmio da geração glamour tbm é:

E é isso,  permaneceremos aqui,  não toleraremos o mal gosto e pra cada Marçal que surgir é  uma caldeirada que estaremos prontos pra entregar! E tenho dito!



10.10.24

Oi, Twitter! Mamãe voltou!

 Eu não tenho um pingo de vergonha nessa minha cara, só e apenas por isso voltei mesmo. Disse que não voltava, soube que ele voltou e não baixei, mas quando o meu marido falou "já está funcionado", eu:



Vamo pro óbvio da vida. Xandão tá certo e ponto! Elon Musk é abaixo do nível do aceitável... "Ahh pq liberdade de expressão..."


Toma tua liberdade de expressão!

É claro que as pessoas tem que ter o livre direito de se manifestar, mas a gente vive em sociedade, porra! Existem regras, existem leis, os países tem soberania! No início disso tudo, quando tudo era mato, muito dessas empresas cheias de usuários no Brasil, quando eram acionadas pela justiça brasileira para buscar informações de criminosos, redes de pedofilia e o diabo, respondiam que respeitavam todas as normas dispostas no vale do silício... Então ofereça seu serviço apenas no vale do silício, cara pálida!

O Brasil é o quarto país em número de usuário no twitter e Elon Musk achou que o país todo ia fazer VPN

Adendo

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É conhecer muito pouco disso aqui e apostar muito na corrupção... Há muita corrupção, querido! E preguiça também! Segue o baile!

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Atrás dessa tal liberdade ele manteve diversos perfis de gente espalhadeira de ódio e fake news e o problema pra mim nem são esses perfis em si, mas o quanto isso fortalece pra que as pessoas não se preocupem com o que estão falando. Além disso as mudanças de identificações, as muitas propagandas, o jogo do tigrinho a cada post.. O Twitter só foi piorando, mas devo assumir que ele é muito eficiente em ser esse espaço que reúne coletividade, faz com que a sociedade elabore coisas juntas, faça catarse em massa e não tem koo e blue sky que entregue da mesma forma infelizmente.

Pra mim ele não prega nó sem estopa, hj o povo do assunto estava dizendo que há rumores que ele estuda uma tecnologia que impeça que o sinal do twitter seja bloqueado e aí ele finalmente vai alcançar o que queria quando comprou o twitter por um valor muito maior do que ele poderia dar de lucro. Musk queria poder irrestrito e tá encontrando como pedra no teu sapato as soberanias nacionais e suas leis.  Se ele tem condição de criar tecnologia que drible isso tudo e faça com que ele medie de forma irrestrita um espaço estratégico para construção da opinião pública? Eu não tenho dúvida disso... Só acho que no fim vai acabar comendo a própria bunda.

A primeira vez que ouvi a expressão "comer a própria bunda" foi numa entrevista da Elke Maravilha em que a diva falava sobre o crescimento de programas popularescos na TV e ela refletia que a busca por audiência a qualquer preço faria com que o instrumento televisão comesse a própria bunda e que ela já via marcas não querendo associar sua imagem a televisão e só anunciavam pela internet (final da década de 90, início de 2000)...  O que a diva disse é o elementar da vida, as pessoas tendem a compulsão mesmo... A querer mais e muito daquilo que lhe dá prazer, mas é natural que o uso indiscriminado e irrestrito crie padrões insuportáveis, que no fim nego já não tá aguentando o que ele mesmo quis, é tipo comer big mac todo dia, o dia inteiro, o tempo todo. A irrestrição total faria o twitter virar uma porra de deep web só que aberto pra todo mundo, com as maiores bizarrices ever e aí era uma questão de tempo até ele se implodir. Só que até isso acontecer, muita merda rolaria, né? Tá aí uma geração inteira com a noção de afeto/sexo formada por Gugu Liberato, que não me deixa mentir.

Honestamente eu olho com muito pessimismo pra tudo, eu n sei o que fazer, então me resta é colocar meme e aguardar essa onda. Já disse aqui que tenho um sentimento de que todo inferno que a gente viveu até agora com a ascensão da extrema direita e discursos que vem junto com ela como esse da liberdade de expressão a qualquer preço é  só o começo... A gente ainda tem potencial pra viver muita, mais muita merda! Crises climáticas, migratórias, humanitárias, sociais, políticas, econômicas... É o capitalismo na sua maior efervescência, buscando se manter a todo custo, tendo as instituições que são pilares da civilização vilipendiadas pela sua própria usura... É o capital comendo a própria bunda e pra mim o fim disso ou é apocalipse (literalmente em função de questões ambientais) ou é caos nível queda da bastilha, quebra-quebra, morte, pancadaria... E é isso, gente... Elon Musk é um cavalheiro do apocalipse e o fim do mundo já começou. Então deixa eu ri no twitter enquanto ainda dá.

 



O Personagem Dom

 


Eu curto BDSM, curto mesmo.. Acho que ando numa fase que tenho questionado bastante meus desejos e alguns processos que me levam até eles, mas até segunda ordem, eu realmente gosto de BDSM.

Tenho lá minhas limitações, por exemplo, não curto manter relação de amizade ou proximidade com quem me relaciono nessa perspectiva. Primeiro por que acho que é importante haver um distância, dominador é um papel e esse cara não tem fragilidades, inseguranças, não hesita... A fragilidade tipicamente humana não cabe nesse papel então é necessário haver uma distância pra que não haja acesso a  ela. Segundo que preciso dessa distância pra fazer o que faço e como faço. Jamais faria com o meu marido, por exemplo. 

Acho que outro ponto é o fato de que a lógica em torno da prática é completamente distante de mim, papo de extremo oposto mesmo. O BDSM se classifica por uma série de sub práticas, mas a bem da verdade é que a grande maioria delas as pessoas até realizam, mas fora da perspectiva do BDSM. Sendo mais claro eu vou dizer pra vcs que tem gente que curte algemas, suor, mijada, fistada e etc, mas que não faz isso na perspectiva da dominação. E aí você pode me perguntar: Mas se alguém executa várias das sub práticas e ainda sim não tá fazendo BDSM, o que precisa acontecer pra ser classificado dessa forma?

Te respondo, meu pequeno gafanhoto! Pra se classificar como BDSM tem que haver uma relação de hierarquia. Há um dom que manda e um sub que obedece, se não seguir esse formato, não temos BDSM, simples assim. Daí muitas vezes vc pode negociar antes e tirar desse sexo coisas elementares como penetração ou fazer coisas bem típicas e ainda sim não ser dominação. BDSM  tá na postura, no olhar, na forma que se solicita o que você quer. É prioritariamente sobre isso, essa é a base, os demais é tudo suplemento, tudo forma de reafirmar naquela cena que alguém está disposto a tudo para atender a qualquer desejo de outrem.

Sendo muito honesto eu gosto de comandar, mas sobretudo eu gosto da entrega do sexo BDSM, acho que é muito sobre isso. Numa sociedade em que as pessoas tem tanto medo de demostrar gostar, desejar, querer alguém, você estabelece uma relação de idolatria, pra muita gente apenas nesta ficção a expressão explicita de desejo pelo outro é uma possibilidade . Ali, naqueles minutos eu sou seu dono e você é meu, completamente meu. Claro que tem um monte de troglodita maluco e gente traumatizada se dizendo dom por aí, criando inclusive situações de bastante violência e risco, mas o real BDSM todo mundo tá bem consciente sobre o que está fazendo, tudo é muito negociado e limites são respeitados.

Eu poderia fazer uma meia dúzia de teorias sobre o por que cheguei aqui e nenhuma delas passa por personalidade. Embora seja uma pessoa extremamente controladora e comumente centralizadora, sou muito vertical nas minhas relações, audível as pessoas, atento ao outro e entendo que não existe convivência salutar por muito tempo onde haja tanta rigidez na dinâmica hierárquica.

Tendo muitas vezes  achar que estar ocupando essa persona pode ter muito haver com uma fragilidade, em se tratando de um homem gordo e agora também mais velho me parece um papel onde meu corpo é melhor aceito, mas a bem da verdade é que sou muito aberto ao inusitado quando o assunto é sexo. Acho que o mais adequado seria mesmo me classificar como kink, me dizer Dom é assumir um papel que tá circunscrito no imaginário das pessoas, entrego pra elas um papel que elas já reconhecem, dentro daquilo que é mais popular é onde melhor me encaixo, mas sou muito aberto a fantasias em geral. Já fui sub tbm (real n curto tanto), já sai com pessoas com fetiches inusitados como cortar cabelo, já sai com ficzeiro, curto conteúdos de cuckold e por aí vai... Existem outros papeis que me agradam bem, mas parece que o que mais desempenhei é de Dom.

Eu tive um parceiro submisso durante muito tempo e sem dúvida foi o que mais fiz nessa perspectiva e em fases diferentes da vida. A gente já chegou a sair com terceiros e certa vez ele me disse que nós dois juntos assustamos as pessoas. Alguém imagina um bebezão como eu assustando alguém? Pois bem, é possível, talvez pq eu seja um grande talento e nem saiba, mas nem me refiro a um grande talento pro sexo não, mas pra atuação mesmo! Acredito no personagem e seguro ele e é apenas sobre isso e nada mais. 




9.10.24

Um Gato Praieiro e Estradeiro




 Ainda na vibes do que rolou com o Gato nesses anos de adormecimento do Yag precisava falar de dois eventos que me influenciaram muito no meu eu atual.

Primeiro foi lá pro ano de 2017 que durante oito meses eu vivi uma versão fitness, com um padrão rígido de atividade física e dieta e que emagreci em focker oito meses. É muito louco, gente! Tudo muda, seja fisicamente,s eja na sua autoconfiança, na sua autoestima, você recebe muita aprovação social, de pessoas desconhecidas virem me elogiar, gente que me via todo dia no ponto de ônibus do nada me abordar e falar do meu emagrecimento, o cara da farmácia que eu pesava, da xerox de baixo da minha casa, o olhar brilhando da minha mãe, os muitos amigos falando que eu estava maravilhoso. Eu fui obeso uma vida toda e de repente eu ocupava um outro lugar e um lugar muito socialmente aceito.

Durou em média de dois anos em 2020 eu já tinha engordado bastante e  não era fácil, pq nunca foi fácil ser um homem gordo, é lidar constantemente com a rejeição, com mensagens que dizem que teu corpo é feio ou mesmo doente. Mas fato é que eu cresci nesse corpo e sabia lidar com tudo isso, ser um homem gordo nunca me impediu de ter amigos, de namorar, e fazer sexo e de viver (no máximo dificultou uma coisa ou outra). Todavia ter emagrecido e engordado novamente era lidar com o oposto do que falei lá em cima, era lidar com os olhares de espantos e os comentários de "o que aconteceu?', era ver a decepção estampada mesmo. Quando emagreci comecei a trabalhar em Campos (cidade que vivo agora), haviam pessoas ali que nem me conheceram gordo, depois que engordei eu odiava ter de voltar em Campos, ter que reencontrar as pessoas. Eu lembro que em 2020, quando tentei voltar aqui escrevi um post  que era tão pesado que apeguei de vergonha. Lembro que falava que na esperança de emagrecer de novo eu parei de comprar roupas, eu não joguei minhas roupas de magro fora e não queria comprar roupa pra esse corpo, é como se ele não merecesse, não fose meu, era um corpo em transição que não merecia ser investido. Tudo meu era velho, feio  desgastado que era exatamente como eu me sentia.

Essa fase passou, algum tempo depois eu comecei numa de ficar bem vaidoso, comprar roupas, acessórios, valorizar esse corpo, foi nessa perspectiva inclusive que voltei a frequentar praia. Eu era uma criança que amava ir pra praia. Meus avós alugavam casa para passarmos  verão e e eu ia a praia todos os dias de manhã, as vezes a tarde tbm. Na adolescência comecei a me sentir muito mal com meu corpo, passei a ir de bermuda, depois sob  justificativa de não assar a barriga na prancha passei a entrar de mar no blusa, mas era não eram roupas de banho, eram roupas comuns e era bizarro eu todo dia na praia com aquele monte de roupa encharca ouvindo minha avó insistir pra eu tirar aquela camisa que eu n tirava nem um segundo. A praia foi s e tornando um lugar cada vez mais inóspito pra mim e depois de pouco a pouco fui me antipatizando, casei com meu marido que tbm não era muito fã do mar e morei anos em uma cidade de praias paradisíacas sem ir a praia jamais. Em 2021 eu queria passar a ter marca de sunga, tirar as marcas de camisetas, já estava mais vaidoso e vivendo nesse lugar paradisíaco comecei a considerar a pegar sol no quintal, até que me dei conta do absurdo e já lidando melhor com meu corpo passei a ir a praia, de início uma praia mais deserta, depois qualquer praia e de sunga e pau no cu do mundo, ra uma sensação de liberdade. Acho praia uma rolê bem cansativo e puxado, mas sim, me dou super bem com esse ambiente hoje.  Foi assim, desse jeito que virei praieiro. 

Outra coisa é sobre minha persona motorista, por que quando eu escrevia nesse blog não sabia dirigir. Tirei minha carteira em 2016 e pra mim foi quase que inacreditável. Em 2013 passei por todo processo e perdi na prova duas vezes, prometi pra mim mesmo que só voltaria a tentar quando comprasse um carro, em 2016 comprei um celtinha, duas portas  manual, sem direção hidráulica, mas olha... Que saudades! Em quatro meses tirei carteira e passei a dirigir e honestamente, carro te trás uma liberdade tão grande, é realmente uma mudança, inclusive pra tua vida social. 

Na época ouvia de várias amigas que levaram meses pra por o carro na garagem pela primeira vez, outra a mãe levou um ano indo com ela ao serviço e buscando até ela pegar segurança, outra com cinco anos de carteira não pegava estrada. Eu não tinha quem fizesse nada disso por mim e tendo meu primeiro carro aos 32 anos não levaria esse tempo todo pra pegar estrada, aliás não levaria mesmo. Com uma semana viajei pra cidade vizinha há 25 kms, na outra fui há uma a 35kms, depois outra a 60kms, na quarta semana 120 kms, cm seis meses de carteira viajei do interior do Rio até BH. Eu lembro que os últimos lugares que peguei confiança de dirigir foi na capital e pra subir a serra de Petrópolis. Pro Rio eu sempre ia até Niterói, atravessava de barca e fazia tudo de uber, hj eu dirijo até lá, mas continuo odiando andar de carro por lá, deixo meu carro na garagem e continuo fazendo tudo de uber. Acho os motoristas mal educados, a cidade cheia de armadilhas, corro mesmo, mas a bem da verdade é que com o waze na mão eu vou pra qualquer lugar. Aprender a dirigir criou em mim outra relação com a estrada, antes eu gostava de viajar, mas odiava a estrada. Eu enjoo viajando de carro, então não conseguia ler e nem fazer nada, era um tempo inútil. Hoje eu adoro estrada, não enjoo dirigindo, adoro fazer longas viagens de carro, adoro acordar cedão e amanhecer na estrada, é um paisagem muito confortável pra mim.

Se sou um exímio motorista? Não me acho, inclusive volta e meia tomo uma multa na cara, mas sou carudo e me meto em qualquer lugar. Recentemente meu trabalho abriu uma unidade em Brasília e por vários motivos a gente não tem passagem aérea contemplada, então volta e meia cortamos Minas Gerais inteira de carro e vamos pra Brasília, da última vez eu fiz a estrada toda sozinho na volta, 1200kms, a maior estrada que peguei na minha vida e repito, amo. Adoro parar nas cidades, comer na estrada conhecer os lugares. . 

O que me motivou escrever esse post hoje foi ter emprestado o carro pra minha mãe e  tirar ele da garagem pra ela pq era muito imprensadinha e eu estou mais acostumado, me vendo tirar o carro ela falou "meu filho você dirigir é quase um milagre pq eu confesso que achei que você não aprenderia nunca". Minha mãezinha e o jetinho dela, mas eu juro que entendo, pq autoescola foi o primeiro desafio que peguei na minha vida que eu realmente não creditava que chegaria no final, pq foi exatamente por ser um homem gordo que nunca foi devidamente trabalhado na minha motricidade, que eu não tinha senso de direção nenhuma, controle motor, noção espacial, um verdadeiro caos. A primeira vez que subi numa esteira na minha vida foi em 2017 e eu tive que aprender a andar na esteira por que eu tinha medo de cair.  Hoje todas a vezes que converso com alguém que mora longe eu vou pro maps, eu olho a distância, olho o caminho, faço cálculos, não que necessariamente eu vá, mas adoro planejar viagem, reconhecer caminhos, uma realidade totalmente diferente do que eu e era há alguns anos atrás e foi desse jeito que virei estradeiro.

8.10.24

A Ultra Direita



Domingo após o resultado das eleições eu morria de rir com os memes sobre a derrota de Pablo Marçal, cheguei a publicar no blue sky que queria apenas me divertir, no dia seguinte eu refletia o cenário, pq sim, eu sabia que não era nada favorável e ia doer.

 Marçal é uma figura que veio pra mostrar que a extrema direita não está na mão de Bolsonaro, qualquer um com algum investimento, projeção e disponibilidade, mergulha nesse mar e nada de braçada. O cenário após o primeiro turno é grave. A esquerda repleta de seu discurso progressista sempre teve melhor desempenho nos grandes centros.  O PT surgiu e cresceu fazendo trabalho de base, dialogando com sindicatos, associações de moradores, 3º setor e com a sociedade civil organizada em geral. A extrema direita constrói sua capilaridade em diálogo com as igrejas evangélicas que estão em todos os espaços trabalhando em prol de um projeto político ideológico. A direita tradicional nunca foi muito eficaz em ganhar as ruas, essa sempre foi uma arena da esquerda, as passeatas, as mobilizações, os motins, tudo coisa de esquerdista. A direita se garantia comprando... Comprando voto, comprando apoio, comprando pessoas. A extrema direita de fato mobiliza, as pessoas vão por ideologia, por acreditar num projeto, por medo de um inimigo imaginário. 

Em 2024 o interior continua sendo uma arena da direita e centro-direita e os grandes centros se tornaram um espaço de disputa importante da extrema direita brasileira. No primeiro turno o PL (partido de Bolsonaro) ganhou 3 prefeituras de capitais e em torno de 500 no Brasil inteiro, alguns analistas falam que eles são maior expressão da direita, eu discordo, eles são a expressão da ultra direita , que é um espectro político que dialoga com a direita tradicional.

Adendo

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Vamos separar aqui os conceitos de ultra, extrema e direita radical. Eu vou chamar de extrema direita um espectro político que dialoga com os valores da direita no seu extremo (como o nome sugere), então eles são muito conservares nos costumes e muito librais na economia, são contra políticas afirmativas, defendem o desenvolvimento econômico em detrimento a questões ambientais e organizam para que o poder permaneça na mão de quem sempre esteve.

Chamo de direita radical quem radicaliza mesmo, quem rompe com o diálogo e parte pra violência, seja no discurso ou física mesmo. Falo aqui de neonazistas, de supremacistas brancos e etc.

E a ultra direita eu vou usar como uma expressão guarda chuva pra quem faz as duas coisas (o que é bem usual).

A representante da extrema direita da França Marine Le Pen, há alguns anos atrás fez críticas a Bolsonaro exatamente por que ela tem ares de extrema direita enquanto ele, na sua tentativa de romper com a constitucionalidade, dialoga com a direita radical.

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Fato é que os pensamentos formadores da ultra direita sempre estiveram aí, mas foi a presença e Trump na política institucional em 2016 que foi um trampolim para que ideias que estavam a margem da sociedade desde o fim dos regimes totalitários na década de 70/80 entendessem que poderiam ocupar os espaços de poder e que a sociedade estava pronta pra recebe-los. Inclusive em vários países filhos e netos de pessoas vinculados a esse regime disputam espaço, é o caso da Keiko Fujimori (filha do ditador Alberto Fujimori que quase ganhou as últimas eleições presidenciais no  Peru) e da deputada alemã Beatrix Von Stoch (neta de um ministro nazista).

Não precisa ser nenhum experiente analista político pra perceber que Bolsonaro não é nenhum gênio estrategista, ele só é um cara controverso que fez uma trajetória a margem e foi sagaz o suficiente pra saber a hora de ganhar os holofotes. Bolsonaro, na minha opinião, foi (e ainda é) o maior fenômeno eleitoral da história desse país. Ele levou consigo uma série de figuras bizarras para o legislativo e pro executivo e articulou em uma única eleição uma base política que vai ser força nesse país por muitos e muitos anos. Foi assim  que figuras como Witzel no Rio e Zema em MG saíram do quarto lugar nas pesquisas para tornarem-se governadores em 2018. Completos desconhecidos que ganharam pelo simples apoio de Bolsonaro.

Mas Marçal rachou o Bolsonarismo em São Paulo e fez isso por que nunca foi sobre Bolsonaro, ele é apenas um agente de um projeto muito maior, é sobre uma sociedade que está pronta pra aceitar regimes totalitário, valores antidemocráticos e antirrepublicanos. O maior plano da ultra direita é reeditar a realidade, reescrever a história e eles são efetivos nisso, é em função disso que muito do que nos constituiu enquanto civilização é posto em cheque... As instituições garantidoras da democracia, a ciência, a imprensa, tudo isso é descredenciado.  

Nesse caldeirão, ano passado uma pesquisa realizada pela Open Society Foundations (OFS) em mais de 30 países (dentre eles o Brasil) revelou que 42% das pessoas entre 18 e 35 anos preferem um regime militar do que a democracia como forma de governo. Percebam que quando a media é feita com a população de uma forma geral 86% preferem viver num estado democrático enquanto 20% acreditam que regimes autoritários estão mais aptos a satisfazerem seus desejos. Então o que fica claro é que a geração que está se formando num mundo de ascensão da ultra direita está perdendo a democracia como um ideal. 

Isso nos faz entender que não é sobre Bolsonaro, é sobre uma ideologia e foi nela que Marçal surfou, mesmo sem o apoio de Bolsonaro. Nos EUA depois da saída do Trump o cenário que ele deixou permitiu que as leis de aborto andassem pra trás, no Brasil depois da saída de Bolsonaro Pablo Marçal nasceu. Ele nem tem um discurso tão religioso assim, mas se diz cristão e fala o que eles querem ouvir,  daí que assistimos na paulista no domingo uma cena muito parecida com as que vimos com a derrota de Bolsonaro em 2022, só que dessa vez o líder enviado por Deus era coaching e não capitão. Mesmo sem apoio de Bolsonaro  sofrendo críticas duras de Silas Malafaia. 





Vivemos em tempos sombrios, sai ano e entra ano estamos sempre em torno do mesmo discurso de que a esquerda não sabe lidar, que a esquerda não pegou a manha das redes sociais, que a esquerda não se une e etc. Acho que quem tem identificação com a esquerda deve começar inicialmente a parar de se referir a ela em terceira pessoas. A esquerda não tem dono, é um ideal em disputa e se vc se identifica vc tbm é parte dela, se uma parcela da sociedade se entende dessa forma, acha que ela não tem manha e sabe qual é a manha, vá ocupar os espaços, vá discutir em coletividade. Natuza Nery comentou no Assunto de ontem que tinha a sensação que o Lula analisou o cenário das eleições municipais e preferiu não prestar apoios com muita ênfase pra não colar em si uma derrota, por isso teve uma participação tímida em todo processo. O sentimento que eu tenho é que todo mundo que se identifica com a esquerda tá olhando o cenário e com preguiça de lutar prefere o silêncio pra evitar a fadiga. Estamos numa disputa, a ultra direita cresce, o Lula foi apenas um tropeço num plano em escala global que segue forte. Logo se vc se identifica com a esquerda e principalmente se vc é uma minoria social que se identifica com a esquerda, entenda que existe um plano em curso que tem dentre outros objetivos fazer do mundo o lugar muito pior ou até mesmo eliminar você, mas você tá com preguiça de disputar esse projeto.

6.10.24

Sobreviventes




 É assim que me classifico, um sobrevivente do terror que foram os anos do governo Bolsonaro no poder. Eu resolvi fazer esse post depois que um antigo leitor, da época que esse blog era mais ativo, comentar recentemente sobre o fato deu me identificar com a personagem Bree Van de Kamp a ponto de usar o sobrenome no meu pseudônimo por anos  aqui no blog, sendo ela uma personagem armamentista e conservadora (situação que prontamente respondi no próprio post - três abaixo, caso alguém tenha interesse) . Ele falou sobre o vortex que rolou no Brasil nos últimos anos e que ficava se questionando essa minha identificação diante deste cenário.

Daí me dei conta que voltar aqui sem falar sobre como vivi esses acontecimentos era meio que me silenciar sobre algo que realmente nos engoliu e transformou tudo, a realidade tá muito diferente do que era  em 2009, quando esse blog nasceu.  É curioso que alguns analistas entendem que a gênesis da história contemporânea Brasileira foi o "vem pra rua" em 2013, época que esse blog era ativo e eu fui pra rua e comentei aqui. Outros dizem que foi o golpe em 2016, época que tentei retornar com o blog e também falei sobre isso bem aqui. Todavia em ambos os momentos acho que eu tinha um visão quase inocente da realidade dado os acontecimentos posteriores, por que verdade seja dita se meu medo em 2016 era Marina Silva como uma opção eu realmente não fazia ideia de como as coisas poderiam escalonar.

Mas voltando a 2013, me pergunto se realmente ali foi onde tudo começou, talvez possamos dizer que sim, pq aquela situação marcava um descontentamento generalizado com a  classe política e na sequência abrimos um era de outsiders que vai de Alexandre Frota a Pablo Marçal. Em 2014  a derrota de Aécio e a desconfiança das eleições com o pedido pra recontar os votos foi outro tiro, que hoje Aécio já assume que não achava que tinha perdido e fez pra perturbar o PT, foi uma trollada, fazendo humor com o processo democrático.

2016 foi o golpe de misericórdia, tudo foi horrível. Há quem diga que Dilma é alguém que de fato desperta sentimentos fortes, sem meio termo, ou se ama ou se odeia e eu tô no time que ama. Me emociono mesmo, choro quando o tema vai a fundo. A ex guerrilheira, que virou presidente, saiu num golpe orquestrado e praticamente público. A carta do Temer o áudio do Juncá falando em estancar a sangria da lava jato num acordão com imprensa, supremo e tudo... Aquele circo patético com os motivos mais bizarros do mundo que foi o impetchment de Dilma e ela naquele plenário diante dos lobos, FIRME, ALTIVA... Falando que a história cobrará sobre o golpe, falando o quão classista, misógino e racista era aquele golpe. Ela sabia o quanto 12 anos de governo PT fortaleceu minorias, emancipou pessoas e como isso era insuportável pros verdadeiros donos do poder desse pais. Dilma enfrentou os torturadores da ditadura, Dilma enfrentou os abutres da democracia, Dilma é uma gigante a quem o povo brasileiro deveria ter muita gratidão.

Dilma cai e sobe Temer, sua foto com o um grupo de ministros homens brancos de meia idade já apontava para um retorno do completo controle nas mãos de quem temia perder o controle. A reforma trabalhista deixava isso ainda claro, mas lógico que eles sabiam que dois anos era nada e que Lula ia voltar gigante. Lula é preso... Surge Bolsonaro.

Eu juro que não acreditei, meu maior medo era um retorno tucano na figura do Alckimin. Eu sabia quem era Bolsonaro por ser essa figura bizarra dos programas popularescos desde meado da década. Que estava nas arenas da Luciana Gimenez que adorava propor "debates" entre pastores da universal e travestis da lapa, sabia do Bolsonaro do CQC... Não, não era possível! Eu fui inocente, Trump já tinha se tornado o trampolim da extrema direita mundo a fora, a virada da extrema direita já estava acontecendo, mas eu não acreditava.

Foi no fim do primeiro turno que a ficha caiu, eu chorei muito, muito mesmo.. Eu que sempre dizia pro meu marido "relaxa, vai ficar tudo bem", me senti vulnerável. As semanas anteriores ao segundo turno a escalada da violência foi bizarra. Num dia as mulheres estavam nas ruas gritando "ele não", no outro a recomendação era não andarem sozinhas com o adesivo na rua. Diversos amigos meus relataram agressão, gente que nem era militante, eu mesmo uma noite antes de ir votar indo num bar comprar refrigerante ouvi alguns homens falando que Bolsonaro ia acabar com essa pouca vergonha desse monte de viados, até hj não sei se era pra mim. Nessa época tbm virilizou o vídeo no metrô de São Paulo lotado, no horário do rush com vários homens batendo no teto e gritando "Bolsonaro vai matar viado" .

Eu só podia contar com o "ninguém solta a mão de ninguém", mas com um sentimento que ninguém nem nunca segurou minha mão direito. O mundo gay em que as pessoas se bloqueiam por achar seu interlocutor feio era com quem eu podia contar.  

Damaris Alves, Ricardo Salles, Olavo de Carvalho... O desmonte estava armado, políticas públicas desmontadas, ataque as instituições, imprensa, ciência.. A democracia sendo golpeada dia após dia. Daí veio o Covid... Esquece! O espetáculo do desgoverno, a cloroquina, o negacionismo no talo... Os números de mortos, a vacina negligenciada, a morte em todo os lugares, Paulo Gustavo... O cheiro da morte. 

Quando Lula voltou em qualquer lugar a esperança reacendeu e nós precisávamos disso, mas o cenário é a treva. A extrema direita se espalha, não acabou. Pablo Marçal é a prova de que não a acabou, que Bolsonaro pode até morrer, mas temos uma sociedade contaminada pelo o ódio e a ignorância. A crise não é só política e econômica, a crise é humanitária! Marçal um risco em SP, Trump nos EUA, Le Pen na França.. Milei levou na Argentina... Na Alemanha e na Itália os descendentes de grandes figuras dos partidos nazista e fascistas retornam pra cena. 

Diante disso tudo eu penso que eu e algumas gerações depois da minha fomos criados num período que parecia que a civilização tinha chegado num porto de força e estruturação que não havia mais espaço pra que grandes absurdos como o holocausto acontecessem novamente. Nós andamos pra trás, questionamos mais vacinas, relativizamos a democracia, passamos a questionar marcos civilizatórios que nos permitiram existirmos enquanto coletividade e quando falo nós destaco especialmente a juventude que representa o futuro.

Nada tá dado, nada nunca esteve dado na verdade e se em algum momento lá na frente alguém achar isso precisamos ser memória viva desses dias pra fazer as próximas gerações se manterem atentas e fortes, por que nunca vai ter fim. 

30.9.24

Brigitte Vasaloo and me


Certa vez em uma entrevista Clarice Linspector falou sobre o fato de que não escrevia na esperança de que algo se alterasse, pq no fundo nada se altera e aí ela fecha dizendo "agente quer desabrochar de um modo ou de outro". Eu poderia citar diversos pensadores, de Paulo Freire a Sócrates, que vão defender a premissa que o processo de aprendizagem não tem a ver apenas sobre como aquilo está sendo passado, mas sobre como a minha experiência empírica vai me fazer absorver aquilo. Eu lembro que quando li Regina Navarro Lins fiquei extasiado ao me reconhecer no conceito de poliamor, mas a bem da verdade é que aquilo já estava muito claro pra mim, Regina trouxe complexidade, estabeleceu fluxos, relações de causa e efeito, lançou luz sobre corredores escuros e me espantou fantasmas, mas eu já sabia. Talvez você que esteja lendo suspeite que possa ser uma arrogância da minha parte ou a tentativa de querer passar uma imagem de "sabichão", mas a maior prova do que estou falando tá aqui nesse blog mesmo. Conheci o trabalho de Regina em 2013 quando li seu primeiro livro, mas em fevereiro de 2012 fiz um post aqui intitulado "conselhos para um gay iniciante", que dentre outras coisas escrevo: 

"Tb não me caia na esparrela de achar que um dia vc vai encontrar o homem certo e ai vc vai desejar apenas ele... Isso é uma grande tolice... Continuará desejando tantos qtos parecerem interessantes pra vc... Talvez vc entre numa relação onde consiga dar vazão a isso (e eu recomendo isso mesmo, desde que haja maturidade pra entender o quão seria é uma relação ainda que aberta)... Mas talvez não, o que tb não tem problema, faça o que suporta... Em todo caso tente ser honesto dentro daquilo que vc se propôs... (mais um gole d’água) ... As vezes vc não vai conseguir... Não precisa se matar por isso, só tente não fazer disso um hábito... Um minuto.. Preciso encher meu copo!!!"

 Eu já sabia, mas de maneira alguma diminuo a importância das contribuições de Regina pro meu autoconhecimento. Onze anos depois de conhecer ela conheci o trabalho de Brigite Vasaloo autora do livro "O Desafio Poliamoroso". Quem me apresentou foi um boy que eu fiquei alguma vezes numa viagem que fiz a Brasília (que vou chamar aqui de Poeta). Ele me recomendou o livro, mas acima de tudo ele trazia um debate muito sólido sobre poliamor, com percepções muito específicas e que estava muito calcado nas suas vivências, mas também na sua leitura/identificação com Vasaloo, o que me deixou tão curioso pra ler o livro que acabei comprando ainda quando estava lá. Eu me encantei muito pela leitura de mundo que o Poeta trazia, não só pq ele era lindo, generoso, inteligente etc etc etc... Mas pq ele também acendeu holofotes em outros corredores escuros que foram se criando com minha vivência com o poliamor em todos esses anos. Você deve está se perguntando o que de tão novo ele e Vasaloo traziam pra mim. 

Pois bem, o Poeta dizia que o que mais pegou ele no livro não foi as percepções dela da monogamia/poligamia, mas sobre como uma série de lógicas que são formadas e formadoras da monogamia influenciam nas relações não monogâmicas, fazendo com que a autora questionasse uma série de conduções de relações poliamorosas. O que pegava nesse livro não era sobre eles, era sobre nós. 

O Poeta trazia uma percepção das relações poliamoristas numa perspectiva de rede de apoio, tem um trecho do livro em que Brigitte fala sobre como as pessoas se questionam sobre questões frívolas da estrutura das relações não monogâmicas preocupando-se com coisas banais como quem vai sentar do lado de quem na cadeira do restaurante, mas sem ter nenhum questionamento sobre quem vai ser o acompanhante no hospital quando um adoecer. Brigitte parte de aspectos muito estruturantes para poder se embasar, reflete, por exemplo, sobre como o exclusivismo (a lógica que vc deve "pertencer" exclusivamente a um individuo) se constrói numa ideia muito mais ampla de que aquilo que não pertence a todos tem valor e isso é uma pedra angular do capital. A coisa deixa de ser valorizada pelo que efetivamente trás de benefício para o individuo, mas sobre o quanto os demais não podem ter, sobre o quão exclusivo aquilo é, um bom exemplo disso é o mercado de pedras preciosas. Diamante só vale o que vale pq é raro e a gente resolveu valorizar por isso, não é pelo benefício que ele pode trazer pra você. Por tanto, partindo do pré suposto, um parceiro que tem um sexo acessível para outros indivíduos, não tem nada de raro pra me entregar, não é exclusivo. Essa e muitas outras coisas me pegaram bastante, mas a coisa da rede de apoio me pegou mais, talvez por que eu tivesse vivido algo muito recentemente que vinha bem de encontro com o debate. 

Um ano antes disso acontecer o Calopsita (meu marido) conheceu um boy e ele começou a ficar muito próximo dele (vou chama-lo aqui de Sr Centro do Mundo, ou só Centro). Logo que ele me apresentou Centro me encantei, pq ele era um querido, um gostoso, bom demais de cama, valia cada segundo. Eles dois tinham uma puta conexão e eu começava a me entender com Centro. Nós passamos a virar um trio e eu meio que passei a tentar mediar um pouco a relação com o marido dele, pq sim ele era casado e esse debate do poliamor era bem rudimentar para eles. Identifico que muito da nossa aproximação com o marido dele foi em função exatamente dessa lógica da rede de apoio. Centro tinha graves questões de saúde mental, o que gerava problemas sérios, crises graves e o marido dele não tinha muito com quem contar, entendia que toda essa galera com quem ele tinha apenas relações fundamentadas em sexo, não chegavam junto pra nada nos momentos de fragilidade dele e foi nessa brecha que a gente entrou, foi entendendo que nós éramos apoio que ele começou a abrir essa porta. Daí que volta e meia ele ficava preocupado, mandava msg pra saber se Centro estava lá em casa e ficava tranquilo de saber que estava. Também houveram momentos de crise de Centro que ele nos ligou e nós prontamente corremos pra lá pra ajudar. Tudo corria bem quando em maio de 2023 ele nos pediu em namoro e nós aceitamos de pronto. A questão é que com muito pouco tempo as coisas entre eu e ele passaram a ficar mais nebulosas, eu viajava muito a trabalho, estava mais fora do que dentro, isso gerou uma aproximação forte entre ele e o meu marido, mas comigo além de haver menos afinidades, havia um incomodo meu em ter que estar sempre em volta dos problemas dele quando eu estava no meu pouco descanso em casa. Pq na minha leitura, quando estávamos com ele, tudo era sobre ele, sobre como o humor dele estava, sobre o quanto ele tinha que ser atendido para não desestabilizar e sobre o quanto toda precaução do mundo muitas vezes não era suficiente. Na contrapartida meu marido foi se sedimentando ainda mais como uma rede de apoio importante pra ele. Cada vez mais limitado, deixando de fazer coisas em função da sua saúde mental e precisando de companhia pra uma série de  coisas, Centro demandava e meu marido sempre estava lá pra segurar sua mão. Num determinado momento o marido dele deixou de trabalhar e dali pra frente ele passou a ter mais dificuldade de administrar esse tempo e se antes ele vivia lá em casa, ele começou a diminuir bem esse ritmo, mesmo morando há poucas quadras. Calopsita sentiu a falta, eu senti alívio! Até que um belo dia o meu marido teve uma apendicite, quem já teve sabe como tudo acontece mega rápido nesses casos. Numa sexta ele sentiu a dor, no sábado operou, domingo estava de alta, porém foi um período bem complicado, por que eu continuei trabalhando, tinha todos os cuidados de casa e ainda precisava ajuda-lo em coisas mínimas no pós operatório. A situação começou numa sexta, mas só na segunda, diante do total silêncio do Senhor Centro do Mundo que fui perguntar pro meu marido se ele soube do ocorrido e pasmem, ele contou que estava indo pro hospital sexta passando mal e o boy não perguntou mais nada depois. A situação gerou uma crise entre os dois, naquela altura dos acontecimentos eu já estava bem afastado dele, mas não aponto de deixar de falar. Pelo whatsapp o Senhor Cntro do Mundo reverteu a situação falando: "ah desculpa, eu não to bem e blá blá blá" e para a surpresa de zero pessoas o assunto começou a ser sobre ele novamente. No dia que ele foi lá em casa conversar com Calopsita, Centro mal me olhava, desconfio inclusive que ele achava que eu manipulei a narrativa, mas também não me preocupei em falar nada pq não tinha mais nenhuma intenção de reverter absolutamente nada com ele e achava que aquilo era sobre eles, porém a conversa com eles também  não foi pra lugar nenhum, pq claro que as questões de saúde mental também justificavam uma inabilidade social e uma incapacidade de discutir problemas. Dali pra frente foi ladeira morro a baixo. A conversa nunca veio, ele já não ia lá em casa nunca, pouco tempo depois separou do marido e foi pra casa da mãe, nós nos aproximamos, ajudamos inclusive na mudança, mas nenhum diálogo com ele... Calopsita começou a namorar outro cara, eu comecei a sair com outro garoto, mas nenhum diálogo com ele... A gente começou a se reaproximar numa lógica de amizade (embora a gente ainda se cumprimentasse se beijando), mas nenhum diálogo com ele... Cheguei até tentar transar um dia, mas foi total torta de climão que se sustentava num silêncio abissal, nenhum som... Nada. Quando recebemos a notícia que precisavamos mudar de cidade, começamos a viver esse luto, organizar a mudança e falamos com ele em torno de 3 semanas antes, ele teve uma relação meio que "ok" e nunca mais nos falamos. Meu marido hoje diz que nem gosta de ver as coisas dele no instagram e eu entendo, por que ele mergulhou fundo e terminou no vazio. 

O Poeta e Brigitte falavam comigo sobre como tantas vezes, numa perspectiva poliamorista, as pessoas criavam relações tão frágeis que muitas vezes ela não tinham se quer com o que terminar e isso me bateu muito. Fiquei pensando não só no que tinha acontecido com o Senhor Centro do Mundo, mas todas as zilhares de vezes que eu ocupei esse lugar. O meu autoconhecimento enquanto um homem poliamorista mudou bastante com o tempo, aliás não só o meu autoconhecimento, mas a minha dinâmica mesmo. Durante muito tempo me senti muito desconfortável com a ideia de que meu marido era obrigado a se adaptar o tempo inteiro as minhas demandas e que pra mim nunca parecia estar bom, é muito recente o meu entendimento de que na verdade relação aberta não é poliamor, que ela tem uma dinâmica muito parecida com a da monogamia e que não é que ele tivesse que se adaptar sempre, eu que vivi uma frankenstein de poliamor, fazendo uma série de pactuações que não me atendiam por que de fato não iam de encontro ao que funcionava pra mim. Todavia sinto que fim de tudo gerou em mim um módus operantes que fez com que por muitas vezes as pessoas com quem eu me relacionava ocupassem lugares quase que de amantes, eram como parênteses na minha história. Certa vez fiquei com um menino lindo, encantador e negro. De pouco a pouco ele foi se esquivando  de maneira que eu não conseguia se quer conversar com ele, mas a verdade é que eu já tinha entendido tudo e já que ele não me permitia aproximação escrevi um e-mail me desculpando e falando sobre as cicatrizes que um homem preto tantas vezes carrega pelos sub lugares que ocupa e que eu me achava o ás da modernidade, mas reproduzia padrões que historicamente colocava pessoas pretas como uma relação furtiva a ser escondida. Mais uma vez repito, eu já tinha debate sobre o fato de que muitas vezes o sujeito entra numa relação poliamorista como se tivesse entrando numa "não relação", as vezes a ponto de dizer que o fazia buscando "leveza", ignorando toda complexidade existente na dinâmica da manutenção de relações livres saudáveis, mas foi com o Poeta e com Vasaloo que parei para prestar atenção em pequenos nuances que eu reproduzia e que me colocavam no exato lugar que criticava. 

As novas reflexões me levaram a repensar uma outra relação, com um um boy que conheci numa viagem para Salvador, vivemos um romance meteórico e ao sair de lá ele foi taxativo em dizer que ele fazia seu destino e que não precisava haver um fim em função de uma distância geográfica. O baianinho é um querido com quem tenho muitas identificações de visão de mundo além de forte conexão sexual, mas um estilo de vida completamente distante do meu. Não se tratava apenas da distância geográfica, mas de muitas outras distâncias e todas as vezes que eu tentei apontar pra esse fato, tentei refletir com ele que por mais que a gente tivesse muito carinho um pelo outro talvez realmente não houvesse liga pra segurar uma relação ele era completamente relutante por questões que identifico serem muito dele, tinha muito a ver com o quão ele não se sente confortável em ocupar alguns dos lugares que nos distancia então talvez ele quisesse forçar uma narrativa onde coubesse sim, uma narrativa em que nem era tão distante assim ou pelo menos poderia deixar de ser, mas a verdade é que era e a coisa foi se esvaindo em silêncios e mais distância... Quando eu conheci a Vasaloo e comecei a pensar sobre essas coisas, tentei abordar, mas acho que talvez não tenha sido suficientemente posturado.

Quando estava deixando Rio das Ostras eu estava saindo com um garoto, pra esse deixei bem claro desde no início que não havia uma relação, ali não só eu já estava refletindo sobre tudo isso, como já sabia da eminência da mudança, mas olhando pra trás fico me perguntando até que ponto talvez eu não tenha dado sinais que iam em oposição a o que estava discursando pra depois colocar tudo na conta de uma interpretação equivocada dele. O Senhor Centro do Mundo foi uma ótima ilustração do que eu não queria e "o desafio poliamoroso" foi um passo importante para minha autopercepção e do quanto em muitos momentos eu me aproveito dos equívocos que as pessoas cometem quando pensam em poliamor para não enfrentar coisas que talvez não tenha coragem de enfrentar.

 Eu sou um homem poliamorista. Parceiros múltiplos sexuais são importante pra mim, afetos são importantes pra mim, cuidados são importantes pra mim, coerência é importante pra mim. Brigitte Vasaloo me fez olhar com atenção pra uma série de coisas importantes pra mim, que não quero  que sejam negligenciadas de mim e nem que sejam negligenciadas por mim.