Domingo após o resultado das eleições eu morria de rir com os memes sobre a derrota de Pablo Marçal, cheguei a publicar no blue sky que queria apenas me divertir, no dia seguinte eu refletia o cenário, pq sim, eu sabia que não era nada favorável e ia doer.
Marçal é uma figura que veio pra mostrar que a extrema direita não está na mão de Bolsonaro, qualquer um com algum investimento, projeção e disponibilidade, mergulha nesse mar e nada de braçada. O cenário após o primeiro turno é grave. A esquerda repleta de seu discurso progressista sempre teve melhor desempenho nos grandes centros. O PT surgiu e cresceu fazendo trabalho de base, dialogando com sindicatos, associações de moradores, 3º setor e com a sociedade civil organizada em geral. A extrema direita constrói sua capilaridade em diálogo com as igrejas evangélicas que estão em todos os espaços trabalhando em prol de um projeto político ideológico. A direita tradicional nunca foi muito eficaz em ganhar as ruas, essa sempre foi uma arena da esquerda, as passeatas, as mobilizações, os motins, tudo coisa de esquerdista. A direita se garantia comprando... Comprando voto, comprando apoio, comprando pessoas. A extrema direita de fato mobiliza, as pessoas vão por ideologia, por acreditar num projeto, por medo de um inimigo imaginário.
Em 2024 o interior continua sendo uma arena da direita e centro-direita e os grandes centros se tornaram um espaço de disputa importante da extrema direita brasileira. No primeiro turno o PL (partido de Bolsonaro) ganhou 3 prefeituras de capitais e em torno de 500 no Brasil inteiro, alguns analistas falam que eles são maior expressão da direita, eu discordo, eles são a expressão da ultra direita , que é um espectro político que dialoga com a direita tradicional.
Adendo
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Vamos separar aqui os conceitos de ultra, extrema e direita radical. Eu vou chamar de extrema direita um espectro político que dialoga com os valores da direita no seu extremo (como o nome sugere), então eles são muito conservares nos costumes e muito librais na economia, são contra políticas afirmativas, defendem o desenvolvimento econômico em detrimento a questões ambientais e organizam para que o poder permaneça na mão de quem sempre esteve.
Chamo de direita radical quem radicaliza mesmo, quem rompe com o diálogo e parte pra violência, seja no discurso ou física mesmo. Falo aqui de neonazistas, de supremacistas brancos e etc.
E a ultra direita eu vou usar como uma expressão guarda chuva pra quem faz as duas coisas (o que é bem usual).
A representante da extrema direita da França Marine Le Pen, há alguns anos atrás fez críticas a Bolsonaro exatamente por que ela tem ares de extrema direita enquanto ele, na sua tentativa de romper com a constitucionalidade, dialoga com a direita radical.
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Fato é que os pensamentos formadores da ultra direita sempre estiveram aí, mas foi a presença e Trump na política institucional em 2016 que foi um trampolim para que ideias que estavam a margem da sociedade desde o fim dos regimes totalitários na década de 70/80 entendessem que poderiam ocupar os espaços de poder e que a sociedade estava pronta pra recebe-los. Inclusive em vários países filhos e netos de pessoas vinculados a esse regime disputam espaço, é o caso da Keiko Fujimori (filha do ditador Alberto Fujimori que quase ganhou as últimas eleições presidenciais no Peru) e da deputada alemã Beatrix Von Stoch (neta de um ministro nazista).
Não precisa ser nenhum experiente analista político pra perceber que Bolsonaro não é nenhum gênio estrategista, ele só é um cara controverso que fez uma trajetória a margem e foi sagaz o suficiente pra saber a hora de ganhar os holofotes. Bolsonaro, na minha opinião, foi (e ainda é) o maior fenômeno eleitoral da história desse país. Ele levou consigo uma série de figuras bizarras para o legislativo e pro executivo e articulou em uma única eleição uma base política que vai ser força nesse país por muitos e muitos anos. Foi assim que figuras como Witzel no Rio e Zema em MG saíram do quarto lugar nas pesquisas para tornarem-se governadores em 2018. Completos desconhecidos que ganharam pelo simples apoio de Bolsonaro.
Mas Marçal rachou o Bolsonarismo em São Paulo e fez isso por que nunca foi sobre Bolsonaro, ele é apenas um agente de um projeto muito maior, é sobre uma sociedade que está pronta pra aceitar regimes totalitário, valores antidemocráticos e antirrepublicanos. O maior plano da ultra direita é reeditar a realidade, reescrever a história e eles são efetivos nisso, é em função disso que muito do que nos constituiu enquanto civilização é posto em cheque... As instituições garantidoras da democracia, a ciência, a imprensa, tudo isso é descredenciado.
Nesse caldeirão, ano passado uma pesquisa realizada pela Open Society Foundations (OFS) em mais de 30 países (dentre eles o Brasil) revelou que 42% das pessoas entre 18 e 35 anos preferem um regime militar do que a democracia como forma de governo. Percebam que quando a media é feita com a população de uma forma geral 86% preferem viver num estado democrático enquanto 20% acreditam que regimes autoritários estão mais aptos a satisfazerem seus desejos. Então o que fica claro é que a geração que está se formando num mundo de ascensão da ultra direita está perdendo a democracia como um ideal.
Isso nos faz entender que não é sobre Bolsonaro, é sobre uma ideologia e foi nela que Marçal surfou, mesmo sem o apoio de Bolsonaro. Nos EUA depois da saída do Trump o cenário que ele deixou permitiu que as leis de aborto andassem pra trás, no Brasil depois da saída de Bolsonaro Pablo Marçal nasceu. Ele nem tem um discurso tão religioso assim, mas se diz cristão e fala o que eles querem ouvir, daí que assistimos na paulista no domingo uma cena muito parecida com as que vimos com a derrota de Bolsonaro em 2022, só que dessa vez o líder enviado por Deus era coaching e não capitão. Mesmo sem apoio de Bolsonaro sofrendo críticas duras de Silas Malafaia.
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