26.1.12

Sobre o que há deles em mim...



Eu hoje estou fazendo um dos posts mais arriscados desde que fiz esse blog. A chance de ser mal interpretado é grande o que faz com o que eu escreva pisando em ovos (prática em que não sou nada bom), mas vou tentar ser o mais claro possível.

Fazendo a minha ronda por blogueira de hoje encontrei um post fodástico do Otavio no seu diário sexual. O blog sai do tema usual e se envereda pelos perigosos e tortuosos caminhos da psique do blogueiro. Após ler o impactante post do Foxx em que fala sobre o seu pai o Otavio tem o impulso de falar sobre sua família e acaba falando sobre si ou sobre essa família em si. Outro que também resolveu meter a mão nessa colmeia chamada família após ler o Foxx foi o Cara comum, fazendo um post sobre seu irmão e prometendo falar sobre outros membros.

O post do Foxx cai como uma bomba em blogsville, o relato sincero e sem amarras do blogueiro coloca diversos leitores diante dos mais diversos pais. Foxx tem uma escrita que dói e quando opta por escrever sobre um calo que já é dolorido nos pés de tanta gente deixa todos assim, impactados. A sinceridade do blogueiro no post em questão mostra aquele pior que nenhum de nós quer ver... Aquele pior que a gente às vezes trata com humor pra ficar mais leve, mas que lá no fundo não tem leveza alguma.

Foxx tem me ensinado muito a cerca de vítimas. Veja bem, não leiam de forma pejorativa o que estou falando. De uns tempos pra cá se tornou feio ser vítima, a vítima meio que virou o vilão. Não acho legal se fazer de vítima, mas sinto que eu (e muitas outras pessoas) vem se comportando como se toda vítima no fundo se fizesse de vítima... Pensando dessa forma temos uma posição meio que privilegiada, por que carregamos sempre conosco o poder da mudança. Foxx olha pra dentro do seu olho e te diz: Em muitos casos não tem o que ser feito, você é apenas a vítima e sua alternativa é amargar, saí desse pedestal por que nem tudo está na sua mão.

No post do pai, todos que vieram de uma família homofóbica e tentam colocar uma roupa mais colorida na imagem dessa família ouviu ele dizer: Ele é seu pai, mas foi um monstro e você não pode mudar isso. E caramba... Isso doí...

Assim como os dois blogueiros também tive o impulso de escrever um post sobre cada membro da minha família, mas resolvi deixar pra lá. Não por que isso me doa, mas por que estaria chutando cachorro morto.

 Veja bem... Agora é que a coisa começa a se complicar e antes de continuar a escrever preciso deixar claro que não quero me vender aqui como um exemplo de prosperidade e sucesso ou apontar um caminho para multidão. Quero falar apenas de como as coisas aconteceram pra mim. Tenho plena consciência de que aconteceram da maneira que aconteceram pelas oportunidades que tive e também pela densidade do lugar de onde sai. Quando me refiro a densidade quero dizer que, de fato, pelo que leio, o lugar de onde vim não foi tão hostil pra mim quanto talvez tenha sido pros blogueiros em questão (em especial o Foxx e o Cara comum).

Mas voltando ao cachorro morto... Durante muito tempo tentei colorir esse lugar de onde vim. A minha mãe é mega tranquila com minha homossexualidade e tem todo perfil do mundo de diva gay. Durante toda minha infância/adolescência foi uma figura meio que boemia, com vários amigos gays... Mamãe fumava, passava noite cantando bossa nova nos bares da cidade e tomando uma cervejinha ou outra... Relax, certo??? Errado... A família é a célula da sociedade e é onde nasce o embrião do preconceito e na minha não é diferente. Também vivi homofobia dentro de casa, a minha mãe tb tentou afastar de mim esse destino quando percebeu... Minha mãe tb já disse preferir um filho viciado a um filho gay e após o episodio de homofobia do meu padrasto em fevereiro desse ano reencontrei com aquela mãe.... O respeito que recebi na minha família foi alcançado e não herdado.

É obvio que foi muito mais fácil conseguir isso no meu ninho do que no do Foxx e nem é dessa comparação que pretendo falar... O que quero falar é que, não só no que tange a minha homossexualidade, uma hora eu tive de olhar minha mãe de frente. Uma hora fui obrigado olhar toda minha família de frente... Sem macular esse lugar, sem olhar de forma colorida... Precisei olhar pra quem era essa mãe, essa avó, esse pai, essa irmã, essas primas... Precisei olhar sem disfarce pra todos eles e só depois que pude olhar pra eles pude começar a me libertar.

O que quero dizer com isso??? Quero dizer que no momento em que vc para de se enganar (como eu fiz e o Foxx tb) e olha de frente pro lugar de onde veio você pode começar a tentar mudar algo de fato. Nessa hora é como se vc fizesse um inventario e pensasse: Foi isso que eu vivi, é isso que a vida me deu, são dessas coisas que disponho e agora a gente vê o que da pra fazer.

Tudo isso tem a ver com aceitação (e leia uma aceitação pra muito além da temática sexualidade) e com uma real tentativa de fazer diferente... Ou não.

Funciona assim... Eu tenho uma mãe que foi omissa a vida inteira e que teve muita leveza em lidar com minha sexualidade no momento d revelação. Eu tenho uma avó que é machista/preconceituosa e que é um porto seguro com aqueles que ama. Eu tenho muito de ambas em mim.... E eu só vou conseguir me condicionar na tentativa de buscar o melhor que há de cada uma delas no momento em que eu encara-las de frente. Tendo consciência disso, eu me policio, me moldo, me reinvento... Foi dolorido, mas em algum momento precisei ver que com elas eu aprendia não só como deveria ser, mas também como deveria NÃO ser. E deveria me policiar por que a tendência é ser igual. Abandonar a cândida mãe e a doce vovó não é tarefa fácil pra quase ninguém.


Ainda pior que encara-los de frente fora de nós é encarar dentro... Ver dentro de você a mãe submissa, o pai machistas o irmão homofóbico... Eles estão lá quando você olha com desprezo pro que chama de “bichinha”, quando se cala diante do preconceito, ou quando procura definir quem é o homem e a mulher na sua relação homossexual.... Se não nos policiamos e condicionamos a tendência é sermos absolutamente iguais, com o tempo viramos uma versão adaptada do que vimos como algozes e seguimos reproduzindo as vítimas que fomos.... É preciso de esforço pra tentar fazer diferente, por que a tendencia natural é a repetição fiel.

Dia desses conversava com uma prima, ela tem 29 anos e uma mãe super-protetora que a trata como uma menina de 15... Nessa conversa ela falava do quanto se sentia aniquilada e por vezes fraca, por não conseguir fazer uma serie de coisas em função dessa criação. E daí eu me recordei que aquela não era a primeira vez que havíamos tido essa conversa... Na verdade já havia uns cinco anos que falamos sobre aquilo e há muito mais tempo que vinhamos percebendo e sinalizando essa "pasmaceira". Durante todo esse tempo tudo que ela fez foi repetir esse discurso. Ok, eu sei o quanto tudo isso de nossa criação nos influencia e desenrola vida a fora, mas o que de fato ela tentou pra ser de outra forma? A partir do momento que tomou conhecimento a cerca da sua inércia e de onde veio qual foi alternativa além de ficar culpabilizando um passado eternamente????

Quando eu digo tentar fazer diferente é tentar de verdade, vislumbrar uma real possibilidade de mudança em prol de uma vida melhor... Uma outra prima há uns anos atrás procurou terapia por que precisava mudar e na primeira consulta basicamente falou a  cerca das mudanças que precisava no noivo, na irmã e mãe pra poder se realizar. A terapeuta disse não poder fazer nada por ela.. É obvio que não podia... Procurar terapia pra apontar o que deve ser mudado dentro da dinâmica familiar não é tentar...  

Sabe aquela cena do Marley e eu em que a Jennifer Aniston fala pro marido que não tem sentido ele mandar o Marley pra outro lugar por que o lugar dele é ali e ela precisa se virar com aquilo??? Eu acho que o caminho é esse... Esse pai tah ai, essa mãe tah ai, essa irmã, essa avó... Essas neuroses, esses complexos... Eles estão todos ai... Alguns vc vai superar, outros vc vai ter que aprender a conviver e nesse segundo caso pra que de fato consiga conviver com eles precisa encara-los de frente do contrário não da pra sair do lugar. Acredito muito nessa coisa de que não da pra mudar o inicio da historia, mas da pra mudar o final.. DESDE que... Você conheça muito bem seus personagens, tenha noção do quanto deles tem em você, pense muito a cerca de toda essa dinâmica e tenha clareza do que quer e do que não quer de cada um deles.



(Sem um post sobre cada familiar então)


9 comentários:

  1. nossa, Gato, obrigado, de verdade. é bom, bom de verdade, perceber que vc entende o que eu escrevo, entende a minha tomada de posição, muito obrigado mesmo...

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  2. Embora nunca tenha passado por problemas maiores no q concerne a preconceitos homofóbicos, seja com família, amigos, trabalho, vizinhos, tb vivenciei meus traumas inerentes a todo ser humano em relação à minha homossexualidade.
    O caminho não foi fácil até os meus 30 anos, mas até esta época via q o a trilha q eu seguia não me traria outra coisa q não sofrimento e dor.
    Tive q tomar decisões e as tomei. Fácil? Tb não! Mas possíveis qdo se percebe q não existe outra maneira de libertação. Era isto ou permanecer na escravidão do medo e da angústia. Daí para frente, enfrentei de peito aberto todos os medos q na verdade eram mais meus mesmos. Hoje com meus 61 anos percebo q, chega um momento da vida em q ou VIVEMOS ou continuamos a PASSAR PELA VIDA ... é uma questão de escolha ... e nesta escolha, se for preciso jogar a família, os amigos, quem quer q seja no LIXO eu jogaria e jogo sem nenhum tipo de remorso ... quem não me aceita o meu SER não é digno de nada e não me fará falta alguma ... outros mais dignos o substituirão de forma muito mais saudável.

    enfim ... é isto ...

    bjão

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  3. Fui lá ler o post do Foxx. Pelo que li, uma figura tirânica como pai ele descreveu é algo que , ao meu ver, ultrapassa enfrentar a homofobia. Ainda que o movimento de dizer "eu existo" seja o mesmo.

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  4. Well... acho que esse post vai render!

    Meu ponto de vista (que provavelmente não serve pra ninguém... eu cada vez me vejo mais como um “estranho no ninho”): relações humanas é a coisa mais complicada que existe. Em todos os ambientes, trabalho, escola, família... Já li em alguns lugares que a civilização deve sua existência à destreza manual da espécie humana. Eu, por mim, acho que tem mais a ver com a língua... essa capacidade incrível de expressar os sentimentos.

    Não tenho e nunca tive problemas com minha família. Nem no trabalho, nem em lugar algum. Isso não quer dizer que achei a fórmula mágica. Em relação à sexualidade: não carrego no peito uma plaquinha “sou homo”. Pra quem vem me perguntar (e, se vem, quer dizer que é suficientemente próximo a mim) costumo conversar “de boa”, como quem fala de futebol ou preferências musicais.

    Meu pai é meu ídolo. Ano passado ele me deu a coleção inteira dos vinis dele, das bandas que ele curtia (Yes, Led Zeppelin, Pink Floyd). Minha mãe e minha avó foram minhas maiores mestras em culinária. Tenho um irmão mais velho que vive pras coisas dele, nunca fomos tão próximos mesmo. Todos, todos eles nunca me perguntaram nada. Talvez eles julguem não ser necessário, sei lá. A “prova dos 9” eu vou ver algum dia que (será que vai acontecer?) eu levar alguém especial para eles conhecerem. Os “amigos” que frequentaram meu quarto (na adolescência... e foram poucos) sempre foram tratados como amigos mesmo... com direito a bolo, pão de queijo e café no fim da tarde.

    Talvez eu tenha sorte... pode ser.

    Abração.

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  5. Acho que só somos mal compreendidos quando fazemos um post que temos certeza que todos irão concordar conosco. O seu foi cuidadoso, e por isso convence.

    Não há fórmula, mas o que você disse é sempre um bom caminho a se tornar. Também nunca tive problemas com isso, na verdade se tive foi pela via contrária, por tentar lidar demais com isso. Me lembro também de falas mais conservadoras da minha mãe quando eu era pequeno que eram muito piores (tipo, morreria de vergonha de ter um filho com piercing/tatuagem/skatista) mas desde criança olhava nos olhos deles e me analisava. Construir esses caminhos, esses enfrentamentos demora tempo, MUITO tempo. É trabalho de formiguinha mesmo, e se você demora muito pra começar o trabalho acumula, e aí que bate a tristeza e o medo de um futuro sem cores.

    Mas no geral é isso ^^

    abs

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  6. Gato Van de Kamp, seu post foi cuidadoso e gentil, até. Obrigado!

    Gostaria de salientar que não fiz o post porque li o do Foxx: este post estava programado muito antes do post do Foxx ir ao ar (nunca antes na história do meu blog que eu tive tanto texto pronto!). Então, foi uma coincidência... Mas isso não tira a vontade de dizer, naquele momento, o que eu tinha que dizer e estava mesmo doido pra que ele fosse ao ar.

    Whatever, essa é uma questão que eu prefiro trabalhar muito mais no meu dia-a-dia que no meu blog. E esse é um papo que não cabe numa caixa de comentários, ok? ;)

    Beijos, queridão!!

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  7. Eu sinceramente não entendo como caras tão descolados, articulados e inteligentes como vocês podem vir de famílias tão castradoras. Aplausos ao talento de quem consegue driblar tanta influência tacanha e tornar-se um homem inteiro como vc (e os outros "densos" aqui citados".
    Pai, mãe, tio, irmão, avó podem ser mais velhos/experientes/maduros mas vez que outra precisam ser colocados de castigo e tomarem - mesmo que goela abaixo - uma colherada de verdades. É melhor que óleo de rícino. Hehehe! Maravilha de relato e de texto, Gatón Arisco! Bjz!

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  8. Eu li o post umas duas ou três vezes. Não sei se por conta de estar grande, ou das horas que eu li, não consegui absorver muito bem a coisa como um todo. Mas eu vou tentar.

    Acho que cada caso é um caso. Ao mesmo tempo que temos pessoas que acabam reproduzindo as ações dos repressores (até como uma forma de "vingança", de descontar em alguém tudo aquilo que fizeram consigo), existem as que olham praquilo tudo e fazem questão de fazer diferente, justamente para que outros não sofram como ele sofreu.

    Uma coisa que eu sempre comento com os meus amigos é sobre o quanto eu gostaria que a minha família fosse diferente, que eu tivesse a liberdade de ser inteiro na presença deles, mas eu sei que isso não é possível, por mais que eu queira. Todo o meu planejamento de vida tem sido feito não contando com isso. Acho que não há nada demais com você se sentir um pouco chateado com as coisas não serem do jeito que você gostaria, ou de um jeito pelo menos aceitável, mas o que não dá é pra gente esperar que a fantasia se torne realidade, já que essas são raríssimos casos.

    Agora sobre encarar de frente, também acho que existem casos e casos. A gente sabe os pais que tem, e existem casos que encarar de frente pode acarretar consequências tão graves que por vezes não vale o esforço.

    Beijo Gatón!

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  9. Querido, fico feliz de vc me citar e como um texto que vc gostou!! Super obrigado!!!

    Agora, acho que se texto foi bem acertado. Na verdade quando vamos ao psicólogo ou quando nos damos conta de qualquer coisa em nossas vidas, só podemos mudar nós mesmos.

    Lembro de escutar uma coisa, confrontar inimigos é muito fácil, o difícil é confrontar aqueles que amamos para mudar as coisas. Acho que isto é o que suas primas, eu, vc, fox e todo mundo precisa fazer para mudar as coisas.

    Precisamos deixar as coisas claras para nós mesmo, nos aceitarmos, mudarmos o que precisamos e aí sim a atitude dos nossos para com a gente vai mudar, talvez não porque eles mudaram, mas porque nós mudamos e conseguimos chegar em um lugar melhor e isso é visto por todos em nossa volta, com certeza!

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