Eu sempre fui fã do Silvio Santos
e se falar isso há 20 anos atrás já soava engraçado ou mesmo cafona, em 2024 é
uma espécie de tragédia social. A admiração
pelo apresentador tem qualquer coisa de ancestral, meu avô sempre elogiava a
elegância, minha avó não perdia a programação um domingo se quer, minha mãe vivia
dizendo que se fosse sorteada pro show do milhão levaria todos nós e diria a
ele que mesmo que não ganhasse um centavo teria valido apena levar a família
para conhece-lo.
Eu tenho até dificuldade de
tentar identificar quando isso começou. Fui um garoto periférico, latino
americano, gay que cresceu gargalhando com personagens inusitados de uma
programação de qualidade pra lá de duvidosa, totalmente representada pela
figura do seu idealizador.
Silvio Santos foi um daqueles ídolos
que o bolsonarismo me tirou, jogou um holofote em cima e me fez ver o homem por
trás do mito. É bem verdade que desde a ditadura militar o flerte dele com
governantes totalitários ia se desenhando, mas definitivamente eu não tinha
maturidade pra compreender e cresci comprando a narrativa da TV mais alegre do
Brasil.
A partir daí passei uma vida
falando dessa admiração, contava pra todo mundo como eu adorava o jeito cafona,
o cabelo a caju tom seis pintado pelo Jassa, o microfone pendurado no pescoço,
a delicadeza de referir-se ao auditório como “minhas colegas de trabalho” e
sobretudo a capacidade de fazer parecer que o tempo não passou, de que não
interessava de qual geração você era, quando vc ligava um domingo no SBT, ou
quando via mais um remake de carrossel, ou quando via pela milésima vez uma exibição
de Maria do bairro, trilhões de vezes Chaves... Você simplesmente sentia que o
tempo não passou, ele unificava gerações.
Quando Hebe morreu fiz um dos
meus posts favoritos aqui do blog em que falava sobre a forma que as pessoas
vieram saber se eu estava bem e de como com o passar dos anos as pessoas
passaram a me identificar nesse lugar.
Em 2024 quando recebi a notícia da morte de Silvio Santos eu e tava na
estrada, viajando 1200km, um amigo me mandou um aúdio falando qualquer coisa
aleatória e no final falou “E Silvio, hein amigo? Uó”... Eu naturalmente sabia
o que tinha acontecido e hj definitivamente não seria como ontem, não só por
que o bolsonarismo me tirou ele, mas por que sim, o tempo passou. Ele segurou o
quanto pode, mas o tempo simplesmente, passou...
Num dado momento, parei em
qualquer lugar entre Brasília e BH pra almoçar e sentado numa rede na beira da
estrada abri meu instagram e tinha gente de muitas fazes da minha vida me
mandando mensagem me dizendo “eu só lembrei de você”.
Apesar de ter me caído um mito e
de ter passado a não admirar muito do que ele comunicava eu ainda sim admirava
e gostava do comunicador. Talvez a última lição que Silvio Santos tenha me
deixado foi de que as vezes existe amor, mesmo na contradição. Contra toda
lógica racional que deveria fazer com que eu realmente apenas repudiasse vem as
lembranças de noites de gargalhadas com topa tudo por dinheiro, dos domingos da
casa dos meus avós, das telesenas da minha avó... Da minha avó.
A sala que a minha criança
interior cresceu naquele dia ficou mais vazia, bem mais vazia, um silêncio absurdo,
a certeza de que o tempo passou e de que a vida nunca mais seria a mesma… Não
tem ponto de retorno, só restaram as minhas lembranças cheia da gargalhada
escrachada do gênio da comunicação e uma gratidão estranha, mas que persiste em
estar aqui.
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