29.8.24

O Gato Abravanel

 


Eu sempre fui fã do Silvio Santos e se falar isso há 20 anos atrás já soava engraçado ou mesmo cafona, em 2024 é uma espécie de tragédia social.  A admiração pelo apresentador tem qualquer coisa de ancestral, meu avô sempre elogiava a elegância, minha avó não perdia a programação um domingo se quer, minha mãe vivia dizendo que se fosse sorteada pro show do milhão levaria todos nós e diria a ele que mesmo que não ganhasse um centavo teria valido apena levar a família para conhece-lo.

Eu tenho até dificuldade de tentar identificar quando isso começou. Fui um garoto periférico, latino americano, gay que cresceu gargalhando com personagens inusitados de uma programação de qualidade pra lá de duvidosa, totalmente representada pela figura do seu idealizador.

Silvio Santos foi um daqueles ídolos que o bolsonarismo me tirou, jogou um holofote em cima e me fez ver o homem por trás do mito. É bem verdade que desde a ditadura militar o flerte dele com governantes totalitários ia se desenhando, mas definitivamente eu não tinha maturidade pra compreender e cresci comprando a narrativa da TV mais alegre do Brasil.

A partir daí passei uma vida falando dessa admiração, contava pra todo mundo como eu adorava o jeito cafona, o cabelo a caju tom seis pintado pelo Jassa, o microfone pendurado no pescoço, a delicadeza de referir-se ao auditório como “minhas colegas de trabalho” e sobretudo a capacidade de fazer parecer que o tempo não passou, de que não interessava de qual geração você era, quando vc ligava um domingo no SBT, ou quando via mais um remake de carrossel, ou quando via pela milésima vez uma exibição de Maria do bairro, trilhões de vezes Chaves... Você simplesmente sentia que o tempo não passou, ele unificava gerações.

Quando Hebe morreu fiz um dos meus posts favoritos aqui do blog em que falava sobre a forma que as pessoas vieram saber se eu estava bem e de como com o passar dos anos as pessoas passaram a me identificar nesse lugar.  Em 2024 quando recebi a notícia da morte de Silvio Santos eu e tava na estrada, viajando 1200km, um amigo me mandou um aúdio falando qualquer coisa aleatória e no final falou “E Silvio, hein amigo? Uó”... Eu naturalmente sabia o que tinha acontecido e hj definitivamente não seria como ontem, não só por que o bolsonarismo me tirou ele, mas por que sim, o tempo passou. Ele segurou o quanto pode, mas o tempo simplesmente, passou...

Num dado momento, parei em qualquer lugar entre Brasília e BH pra almoçar e sentado numa rede na beira da estrada abri meu instagram e tinha gente de muitas fazes da minha vida me mandando mensagem me dizendo “eu só lembrei de você”.

Apesar de ter me caído um mito e de ter passado a não admirar muito do que ele comunicava eu ainda sim admirava e gostava do comunicador. Talvez a última lição que Silvio Santos tenha me deixado foi de que as vezes existe amor, mesmo na contradição. Contra toda lógica racional que deveria fazer com que eu realmente apenas repudiasse vem as lembranças de noites de gargalhadas com topa tudo por dinheiro, dos domingos da casa dos meus avós, das telesenas da minha avó... Da minha avó.

A sala que a minha criança interior cresceu naquele dia ficou mais vazia, bem mais vazia, um silêncio absurdo, a certeza de que o tempo passou e de que a vida nunca mais seria a mesma… Não tem ponto de retorno, só restaram as minhas lembranças cheia da gargalhada escrachada do gênio da comunicação e uma gratidão estranha, mas que persiste em estar aqui.




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