13.8.09

Lembranças de uma infância homossexual...



Hj pela manha fui eu, meu pai e meu irmão a farmácia para eu tomar injeção. No caminho paramos num posto e meu pai mostrou pra meu irmão uma bola de futebol que vai pegar pra ele assim que completar os pontos necessários da prmoção. Meu irmão ficou todo empolgado e fazendo mil contas de quanto tempo faltaria pra ele ganhar a bola... O muleke adora futebol, tem o pé cheio de calo de tanto que joga, usa um tennis 38 mesmo calçando 36, por causa dos calos. A cena remeteu a minha infância, lembrei uma ocasião em que pedi para meus avós de presente uma bola de basquete e eles me deram uma de futebol... A bola não quicava e eu fiquei indignado... Em geral era muito educadinho e não demonstraria insatisfação, mas nessa ocasião o fiz... Reclamei, chorei, briguei... Minha avó disse que daria a outra criança, que muitos queriam no meu lugar, minha mãe tentava contornar meu mal comportamento completamente sem graça... E por fim ela trocou a bola e ficou tudo ok. A verdade é que desde muito novo eu tinha noção da minha homossexualidade e uma vaga idéia do que isso implicava e neste caso eu sabia muito bem que a bola representava uma insistência pela heterossexualidade. Sabia que todos especulavam essa possibilidade e viviam assombrado por ela, e queriam a todo custo afasta-la... Eu era o único neto homem, meus avós tarados por futebol e eu... Bem... Eu os decepcionei... Paciência... Não se pode ter tudo que se quer... Eu tb queria um pônei e não tive.


Costumo dizer que embora tenha tido uma boa infância, com lembranças gostosas não a tenho como a melhor fase da vida como a maioria das pessoas. Sofri muito preconceito e tinha pouquíssima defesa pra eles. Hj ainda que seja sofrido, sei me defender e não abaixo minha cabeça pro preconceito, não tenho medo dele, mesmo pk sei que é covarde. O preconceito não tem cara, é aquele “viado” gritado no meio da multidão. Enfrento e se tiver de apanhar pelo enfrentamento o farei, se morrer numa dessas, tb faz parte... Não serei nem o primeiro nem o último homem a morrer por uma boa causa, o que eu não posso fazer é viver escondido e com medo da estupidez humana.


Mas voltando a infância, o preconceito não vinha só da rua, se fosse talvez teria tido mais fôlego, mas de onde eu deveria buscar forças tb faltava. Os meus avós me empurravam bolas de futebol goela a baixo, uma das minhas primas favoritas numa determinada ocasião disse que era vergonhoso andar do meu lado (isso doeu bastante) e minha mãe não perdia uma boa oportunidade colocar opiniões contra homossexualidade (E depois a maluca da Rozângela Justino vem dizer que todo homossexual tem conflitos fruto do que ela entende como uma má resolução da sexualidade. Mas é obvio que tem conflitos, causados naturalmente pelo preconceito, ainda criança qdo vc tem uma noção muito superficial da trama social recebe uma recusa insistente do mundo e das pessoas que mais ama por aquilo que você é... Fica realmente complicado levar numa boa...)


O engraçado é olhar pra minha mãe hj e relembrar essas coisas. Minha mãe é cabeça aberta, esclarecida, inteligente.... Sempre teve vários amigos gays, não tem menor problema com isso, uma das pessoas mais sem preconceitos que conheço. Quando contei que era gay ela simplesmente disse: “E quem não sabe disso????”... Depois de um tempo disse que tudo bem, que ela era minha mãe e que seu amor independia disso, que não era da alçada dela quem eu levo pra minha cama, que nossa relação é de um outro patamar e que se eu quisesse apresentar alguém, não tinha problema... Duas semanas depois o ex Dawson's creek estava na nossa casa e ela nos separou um qrto com uma cama de casal. É difícil pensar que essa mesma criatura a alguns anos atrás estava rechaçando todo e quaisquer comportamento homossexual que via na TV, tendo como mensagem subliminar a sentença: NÃO SE TORNE ISSO. Lembro numa determinada ocasião ela dizer que preferia ter um filho viciado em drogas do que gay ou uma outra em que víamos a Baby no Faustão dizendo que aceitaria um filho homossexual (muito antes de aceitar o Deus de amor, é claro) e ela dizendo que Baby era uma louca. Na verdade acredito que minha mãe nunca pensou essas coisas de fato e o que sempre tentou foi me livrar dos colaterais que vem no bojo da homossexualidade, tentando me desviar desse caminho. Desde muito novo já sofria discriminação e quantas vezes ela comprou essa briga por mim, sabia que não poderia comprar o resto da vida e tentou como pode me livrar desse embate.


Pra piorar isso ainda rolou a historia de um psicólogo... Não me lembro dele, mas lembro das pessoas falando sobre, e pelo que entendi, percebendo tendências homossexuais ainda criança, minha mãe me levou a um terapeuta que disse algo do tipo: “Se vc quer que seu filho seja um homem, trate-o como um homem” ... Posso dizer que hj entendo o que ele quis dizer, o que se especula é que naquela idade a sexualidade ainda não é algo definido e o que ele propunha é que eu tivesse mais contato com objetos, ícones e espaços que fizessem parte do universo masculino para que pudesse me identificar... De repente fazer algum esporte do meu gosto que tivesse mais meninos, ou qq tipo de atividade. Era criado basicamente pela minha mãe, tinha muitas primas, tias, as figuras femininas sempre foram muito presentes na minha vida. A lógica do pensamento dele eu acho que até entendo, não que fosse mudar muita coisa, como disse desde muito nova tinha bastante consciência do que era e o que queria, mas se de fato poderia ser apenas um espelhamento e alternativa seria eficaz. O problema é que o psicólogo não foi tão didático na sua explicação (se é que ele quis dizer isso), a minha mãe, que não é nenhuma especialista, compreendeu da maneira que o senso comum haveria de interpretar mesmo e levantou uma bandeira na tentativa de me livrar dessa onda toda, não solucionou o problema e me deixou algumas marcas, mas tudo bem... Valeu a intenção, é como dizem por ai o que não me mata me fortalece.

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Como diria o Gay Alpha (que Deus o tenha e o traga de volta o quanto antes)





Eu e minha mãe no transito ontem, um cara faz uma barberagem e ela grita:


- TAH CEGO, VIADO FILHO DA PUTA???? (silêncio) Desculpa, meu filho...


(novo silêncio)


- Pelo viado ou pelo filho da puta???


(Longo silêncio)


- Você me respeita, hein garoto...



8 comentários:

  1. hoje vou comentar e tão somente o mudando de assunto ... morri aqui ... baldes, bacias, caixas d'água de tanto riso ... e vc ainda reclama da mamys que vc tem? ah neimmmmmmmmmmm! vcs dois e seus diálogos e enfrentamentos são óteeeeeeeeeeemos ... "nun guento"

    bjux querido ...

    ;-)

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  2. Entendo isso. Já sofri discriminação por N coisas. Por ser CDF, preto, gordo, gay... E sabe o que é engraçado? Quando eu lembro dessas situações, eu lembro que não via NADA de errado comigo. Eu era eu. Eu gostava de desenhar, gostava de ler, brincar... me achava super normal. É incrível como a diferença sempre está nos olhos dos outros.
    Imagino o quão bom seria se eu crescesse sem que essa inocência fosse tirada de mim, mas por outro lado, apesar de toda dor que causou e que teima em aparecer de vez em quando, eu aprendi coisas valiosas e hoje, quem diria, ainda estou aqui! E agradeço pelo que passei porque isso me fez quem sou hoje. Com cicatrizes, porém forte, e com orgulho de quem eu sou.
    E eu ri pacas desse diálogo, me lembra os meus com a minha mãe, hahahaha...

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  3. Mães fingidoras que são.....para evitar sofrimento dos filhos tornam-se rabugentas e guerreiras.
    E quando percebem que das escolhas deles não podem dispor nem comandar...relaxam e amam,como tem q ser.

    carinho de uma mãe maluca

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  4. Concordo com a Denise em número, gênero e grau. Graças a Deus, eu tive uma infância sem muitos traumas.

    Aliás, quando eu era pequeno fazia futebol, karatê, brincava de bola, peão, carrinho e adorava.

    Vai entender rs Devo ter recebido o chamado um pouco tarde rs E que bom que você está fortalecido e se tornou o nosso querido gato de cheshire S2

    Força sempre! Por mais difícil que possa ter sido, você sempre foi guerreiro. Aliás, semrpe foi questionador e crítico: de uma simples bola à divagações subjetivas de infância rs Magnífico!

    Mas o que foi esse final de postagem? Meu deus, me acabei de rir. Vc e sua mãe davam uma série de TV kkkk AMEI! Casquei mto =D

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  5. Honey,por incrivel que parece,existe infancia pior que a sua.eu moro no interior e aqui viado só tem cinco.imagina!
    hahahahaahaha
    mais nao da nada nao,agente acostuma

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  6. Nossa... sem brincadeira até chorei... como estou mole nesses últimos dias... a cena do futebol é tão igual a que eu passei... o meu contava com um agravante que meu pai (nesse tempo ela ainda falava comigo)... me forçava a ir assistir os seus jogos de futebol... (sim... meu pai jogava num time)... o futebol para mim foi sempre uma grande tortura... desesperador... com o tempo deixei de ir... e meu contato com o meu pai foi diminuindo... ai com o tempo alguns agravantes interferiram ainda mais na nossa relação... até culminar nesse grande "iceberg" que é a nossa relação... Nem sei porque estou falando tudo isso... mais me deu vontade... prontofalei...

    Obrigado por me dar o prazer de ler mais um ótimo texto (rasgação de seda mode on)...

    Inté!!!

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  7. Nossas mães... Por mais que façam coisas que possam nos magoar, elas agem em nome do amor. Esse amor exagerado.

    E acredito que grande parte dos gays passaram por isso, de quando crianças, receberem incentivos de comportamento heterossexual. Faz parte. Isso um dia ainda muda, os pais serão mais conscientes. Será? Tomara.

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  8. Nobre da sua parte entender ainda que com marcas da tentativa de proteção da sua mãe. Elas não conseguem ver os filhos sofrendo dói nelas né? Grande abraço!

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