10.9.24

O Poliamor em 2024




Quando eu cheguei aqui era tudo mato, mas felizmente avançamos! Num avanço que foi importante pra mim não só pela via do social, pela abertura e aceitação as pessoas, mas importante pela via do meu autoconhecimento.

Volta e meia tento resgatar quando foi que eu soube que existia a possibilidade da vivência de uma relação não monogâmica. Sempre uso 2013 como marco, pq foi nesse momento que conheci a expressão poliamor, é um marco no sentido de que ter percebido a possibilidade enquanto uma instituição mesmo, um modelo que estava em vigência, que podia ser levado a sério de alguma forma, mas existe uma "pré história" anterior a isso.

Se eu for caçar lá na arte rupestre dessa história vou me lembrar que na adolescência eu dizia que queria muito um namoro a três, pq era um número ímpar e a decisões poderiam ser tomadas de uma forma democrática. Vou lembrar também que eu dizia que queria ser como a Gretchen ou Fábio Júnior e casar diversas vezes, por que a ideia de um único parceiro para o resto da vida me soava extremamente enfadonha, vou lembrar que escrevi aqui em 2009 um texto neste blog com o título "o amor é o sentimento e o blues da piedade é a trilha" onde eu falava de um desconforto enorme de sentir que me enquadrava em um modelo de relação que valorizava coisas pequenas, se agarrando em fidelidade, em vez de priorizar o que fato é fundamental. Esse texto é a prova mais cabal que sim, eu já era esse ponto fora da curva e sabia disso.

Porém eu, como muitos outros, fiz um caminho pro poliamor muito protestando pela minha liberdade sexual e esse caminho é cheio de demonizações e culpas. Passei anos da minha vida entendendo que era o "torto" e que estar comigo era um sacrifício enorme pro meu marido se adaptar, mesmo percebendo que ele sempre desfrutou muito bem das liberdades do poliamor. Todavia ainda sim carregava comigo um sentimento de que no fundo eu era só um homem promiscuo buscando uma narrativa para encobrir minha promiscuidade.

Quando falo em liberdades nem estou falando só da liberdade sexual, mas por exemplo, quando a gente ainda namorava a distância certa vez ele veio lamentar comigo que queria ir a parada gay da sua cidade e que ele não iria por que não queria que eu frequentasse certos lugares e ouviu de mim: "Eu acho que vc deve ir, pq eu n deixaria de ir a nenhum lugar pelo simples fato de você não gostar"... Pois bem, ele foi! A monogamia parte de uma premissa básica de que você não pode se envolver afetiva ou sexualmente com outra pessoa, desse ponto em diante existem uma série de pessoas, lugares, roupas, comportamentos e relações que não cabem pra alguém comprometido e aí essa pessoa que tá do seu lado se coloca na posição de gerenciar essas "gatilhos para traição". Através do ciúme a vida vai se tornando um campo minado e nesse jogo a grande maioria das relações terminam ou por infidelidade ou pelo medo de que ela aconteça. Eliminar essa premissa da equação gera um série de vantagens em termos de liberdade, identidade e autonomia, que não necessariamente tem uma ligação direta com sexo.

Regina Navarro Lins
Mas voltando a 2013 no momento em que li Regina Navarro Lins! Regina é uma picanalista e escritora que figurava vários programas de rádio e  televisão na época, inclusive a bancada do "Amor  Sexo" da Fernanda Lima e já tinha o best seller  "A cama na varanda" naquela época. O primeiro livro dela que li foi "O Livro o Amor" que eram dois volumes contando como o amor e o sexo foram mudando de perspectiva da pré-história até o dias atuais. Foi ali que vi a primeira vez a expressão poliamor enquanto uma possibilite factível, defensível, que conversava com um projeto de vida e não apenas com a possibilidade de fazer sexo com quem eu quisesse. Depois disso assisti a série "Amores Livres" na GNT que foi bem importante pra mim e algum tempo mais tarde a Regina lançou o "Novas Formas de Amar" que falava exclusivamente do tema.


Paralelo a uma.. Digamos "consciência teórica" da coisa eu ia vivendo a minha história com o poliamor quando abrimos nossa relação em 2013. Foi muito legal e importante pra mim, mas a gente foi amadurecendo isso junto enquanto casal, mas sob perspectivas ainda muito diferentes.  Na época vivíamos uma relação aberta, que  eu achava que era poliamor e hoje vejo claramente que não era. Só podíamos sair com outras pessoas juntos e nem sempre era fácil, a dinâmica era a mesma, eu ficava nos aplicativos com um perfil de casal, dialogando e buscando gente que estivesse afim e ele decidia se queria ou não. Essa dinâmica funcionou muito e atendia muito os meus desejos com relação a sexo, mas era extremamente problemática. Meu marido se colocava numa posição de definir quem eram os nossos parceiro e consequentemente os meus, numa dinâmica muito similar ao da monogamia, ele gerenciava meu corpo e meus afetos, de pouco a pouco aquilo foi realmente se tornando insuficiente pra mim.

Vivemos uma longa crise que teve seu estopim no fim de 2016, mas que levou um bom tempo pra chegar num meio de caminho, que ainda sim era problemático. Em 2017 negociamos a possibilidade de ficar com pessoas sozinhos, era um avanço, mas ainda não me era suficiente. Pq pra mim sempre soou fake o pacto de que eu não vou me apaixonar, eu não vou me envolver. Talvez você que esteja lendo considere que eu queria demais e nunca estava satisfeito, mas na verdade, mesmo sem entender com clareza o que eu sempre quis foi de fato uma relação poliamorista. No fundo eu entendo que NINGUÉM, absolutamente ninguém pode efetivamente pactuar que nunca mais vai se apaixonar de novo, os monogâmicos fazem esse acordo, mas obviamente muitas vezes fracassam miseravelmente neste pacto.

Só em 2022 que meu parceiro resolveu tentar efetivamente seguir nesse modelo, de lá pra cá "namoramos" um boy (coloco entre aspas por que a formalização da relação aconteceu, mas acho que nunca fomos um trisal efetivamente, apenas ele e meu marido), atualmente meu marido namora um cara e eu tava meio que saindo com outro e nós quatro ficamos meio que amigos, fazendo vários rolês juntos (aé mudarmos de cidade). Sempre que falo sobre isso as pessoas fazem mil perguntas como se fosse muito complicado, mas a bem da verdade é que é muito mais fácil viver do que explicar. 


Onze anos depois da minha incursão acho que o debate está mais aberto e n só enquanto sociedade

Geni Nunes
avançamos. No campo do teórico surgem na cena figuras como Geni Nunes e Brigitte Marsalo trazendo uma perspectiva do poliamor muito mais social e afetiva de fato, enxergando o amor pela ótica do cuidado mútuo, das redes de apoio e cooperação. Poliamor não tem só a ver com quantas pessoas vc vai fazer sexo, mas tem a ver com quantas pessoas efetivamente vc vai poder contar quando adoecer, por exemplo. 


Eu tenho uma prima que tá ficando com dois caras poliamoristas, ambos deram pra ela de presente o "Decolonizando Afetos" da Geni, na festa de aniversário dela desse ano, ambos estavam lá, ele e toda nossa família. Não que todo mundo soubesse o que tava rolando, mas bastante gente sabia. No meu trabalho falo abertamente sobre o fato de viver uma relação poliamorista, falo abertamente sobre "o namorado do meu marido". Todos esses cenários são cenários possíveis para 2024 e nem de longe eram um cenário em 2013. Lembro que na época um amigo me disse entender meus pontos, mas que a sociedade não estava pronta pra isso. Eu cresci na sociedade que não estava pronta pra ver o beijo gay na novela das oito, minha vida é hoje, não vou estar daqui há 200 anos pra performar o etilo de vida que preciso pra ser feliz, então sigo com meu facão desmatando todo esse matagal e feliz por ser persistente no mundo melhor que acredito. 


 

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